21 de fevereiro de 2013

Sobre a velhice

Capítulo 1

"Quando acabar minha aula, te aviso." O senhor passou ao lado dela, que o viu, velho. Sua aparência frágil a fez sentir-se culpada, ou seria ingratidão reclamar da dor no joelho que sentiu toda a noite passada. "Quando eu ficar calva assim, será que minha cabeça continuará enrolada de ideias?" Desejava profundamente que não, pois não detestava muita coisa além de querer e não poder. A tão dita e triste impotência da velhice - ali estava. Bloqueou o visor do celular e continuou a caminhar seus passos largos e ágeis, que se viraram para que os olhos azuis de moça tivessem refletidos o velho, cada vez mais distante e no mesmo lugar.
As ideias daquele antigo corpo eram tão ansiosas como os passos da menina, tão rápidas como a corrida do cachorro da vizinha e um pouco menos potente que o carro do senhor síndico do prédio. Ele tinha uma pressa de viver de quem não sabe quanto tempo tem. E andava devagar como quando carregara, décadas atrás, seu filho recém-nascido.
Ele estava chegando na biblioteca. Procurava ler algo que se parecesse com os olhos que já pôde ver melhor e com os amores que já bem viveu. A saudade que sentia de sua vida o expulsou de casa, e lá ela ficou, com as roupas cheirosas de sua mulher falecida e com os quartos vazios dos filhos que há tempos não faziam o telefone tocar. "Quem sabe nos livros eu não encontro o que poderia ter sido, ou o que poderia estar sendo. Melhor ou pior, alguma coisa diferente e parecida eu devo encontrar aqui."
Tinha lido pouco durante a juventude, porém pelo pouco tempo entre trabalho e família. Era um homem sábio de vivências e, assim que foi ficando só, se interessou por essas histórias que não são nossas, nem nos descrevem, mas dizem respeito a nós.
Foi direto aos clássicos, e, ao ficar na dúvida entre Machado de Assis e Victor Hugo, cortou seu dedo na capa rasgada de Les Miserables.
Engraçado como nessa idade a pele da gente afina. Está sempre à flor, e tudo sempre se torna tão grande, por mais miúdo que de fato seja. Deixou o livro em cima da mesa e foi ao banheiro. "Assim deveria ser também com a felicidade, podia me invadir de repente a retina e me botar no peito uma batucada eterna de samba. Podia me vir um porre longo desses que eu tomava no pagode da esquina."
Lavando o pequeno corte que fizera em seu dedo indicador, ergueu a cabeça e olhou bem em seus olhos. Era o mesmo menino. O mesmo menino que ia à missa todos os domingos. Lembrou do Padre, que para ele sempre foi velho. A imagem do senhorzinho andando na vila com a bíblia debaixo do braço todo santo domingo veio-lhe tão clara na cabeça como aquele corte que não parava de sangrar. E então pôde ouvir um dos trechos da missa.
"Agora que estou velho, de cabelos brancos, não me abandones, ó Deus, para que eu possa falar da tua força aos nossos filhos, e do teu poder às futuras gerações."
Era algum Salmo, e agora esse lhe soava cínico.