26 de outubro de 2011

Inventário de terra infértil: o meu coração


Que te levava no meu inventário, e que nele, junto de ti, havia meus sonhos irrealizáveis. Obras da ilusão abortadas antes mesmo de começar a crescer. Mas ali ficavam: como chagas, marcas pedintes de realidade.
Que te levei, e depois, então, pude perceber que você também morrera. Pude perceber quando não te senti mais – como sentia sem te olhar. Te perdi e não foi por minha vontade – queria mesmo que você vivesse em minha alma – mas pela vontade dos homens. Então você se foi: morrera dentro de mim naquela noite fria e nem tão triste assim. Acordei e a cama estava vermelha cor de sangue.
Despertei ainda com a sensação – mais latente pela mancha no colchão – do sonho no qual a garotinha sofria sem saber o que estava por acontecer.
Mas fui eu quem derramou lágrimas do seu amor que nunca foi. Mas em mim insistiu a vida.
O fim é esse: mais uma vez, deixo que o amor dentro de mim seja exilado. Que se vá pra outro território: um desses que são férteis, que são mais fortes e mais bonitos. Meu coração é feito de terra pobre. Nada aqui vinga. Então vai. E o peço com a força que o sentimento de delicadeza que a tua presença um dia me deu: esse maior, que só deseja realidade e paz. Vai: de mim e desse corpo que não te teve maduro. Desse mesmo corpo que não escolheu – só foi semeado por Mão desconhecida – ter dentro do seu estômago um inventário de felicidades mal explicadas. Essas que morrem. Vai que não te quero morto aqui dentro. Já morrera em mim, mas vai-te.
Até hoje não consegui romper esse ciclo.
Queria que parassem de me semear.
Afinal ainda tanta morte habitava aqui dentro, e não queria mais, e não mais sabia qual caminho seguir, e tinha vontade de gritar, dessas vontades que tanto parecem vontade de desaparecer quanto de expurgar tudo que dentro existe e
Que talvez ficasse cega, e que tinha essa consciência, mas não sabia até quando.
Eu te dizia
Que.

23 de outubro de 2011

Por amor, até.

Vezes em que meu coração parece um violão
E algumas vezes ele é tocado por notas agudas demais
Essas que doem.

Vezes que ele mais parece um papel
Em que o lápis passa no topo e vai até até o fim, rasgando
Vezes que ele parece que vai estourar
E jorrar sangue por tudo que me rodeia

Essas vezes, em que meu corpo todo pulsa
E minhas lágrimas desaguam no meu rosto
Vezes em que não são como a calmaria das cachoeiras
Mas como o desespero de um tsunami
Vezes em que minhas mão geladas só me servem para esfriar o rosto quente
E tapar a boca
Ser porta para impedir as palavras doloridas

Essas vezes
Sentimentais e liricas
Mas todas de verdade.
Todas com um real sentimento
De me fazer não existir
Por amor, até.
Pra não sentir dor
Pra sacrificar
Tudo isso que é a vida.

17 de outubro de 2011

Apenas seguirei como encantado ao lado teu nº 02

Helena,

Até hoje finjo que tenho suas memórias.
Às vezes esqueço que finjo e me lembro dos dias em que brincávamos na praia: seu filho no meu colo, o seu olhar feliz de mãe, e logo depois o seu olhar- de mulher, feliz em mim.
Nosso beijo era tão somente o ponto final de pequenos e belos momentos escritos por duas mãos. 
Éramos felizes: construíamos momentos, nos olhávamos e nos beijávamos, então.
Eram esses dias na casa de praia que mais me sentiam: a chuva no fim da tarde, a pele macia e tranquila da sua criança  - que eu já sentia como fruto meu - enquanto dormia, e então nós dois no quarto de cima, nos lençóis brancos, um no outro, e eu não tinha pressa. Percorria o seu corpo como um artista frente à uma obra de arte. Você me parecia os livros do Vinícius que tanto amo, e enquanto passeava por tua pele, aprendia como viver um grande amor em cada relevo, em cada estria, em cada pêlo. Até chegar em seu olhar, que não só me chupava feito um zoom, mas me amarrava como algo que não sei. Eles sorriam frouxos, e a sua boca não sabia parar de olhar o meu olho, que te beijava.

Mulher, ali me apaixonei. Ali onde todos os pensamentos passam loucos, embaralhados. E então o futuro, o início, a mulher, o café, o jornal, o menino, a praia, o bar, a mão, o abraço, a luz, a verdade, o brilho, a folia, o samba: tudo se uniu e fez-se amor. 

Às vezes, Helena, penso na vontade que tenho de sentir a vontade que tinha
E de transformá-la verdade em minha vida.
Tenho vontade de voltar no tempo e dizer que seu olhar me penetrou e nunca mais me saiu.
De falar das vontades que me lembravam a memória para ver se então você também  as lembrava...
Quem sabe se poderíamos ter nos amado como o meu relato da minha alma te amou...

Helena, tenho tantas memórias guardadas, e junto delas o medo de perdê-las.

Estou deitado em uma cama nada macia. Talvez esteja sendo vítima da mesma doença que já te trouxe até aqui.
Vejo você nas moças de branco que me trazem a comida, e você realmente deve ser uma delas. A mesma que apresenta o jornal todo dia de manhã e, claro, me serve café no escritório depois do almoço.

Bem amada,
Se deliro, eu gosto.
Se morro,
também.
Afinal, desse modo, juntar-me hei a ti aí em cima, e as memórias se lembrarão
Que esquecidas elas são por esquecerem que um dia existiram sim
Em outras vidas
Dentro de mim.

15 de outubro de 2011

A partida do amor.

Acordei e senti um aperto no peito. O choro me subia pela garganta como se pudesse vomitá-lo. Saiu pelos olhos, mas misturei as lágrimas com a água fria que joguei no rosto. A mesma água que me diz todos os dias pela manhã a frase que devo repetir ao espelho, sob pena de meter os pés pelas mãos: não sonho mais.
Ontem não a disse, e hoje encontro meu corpo assim: cheio de marcas, meu coração flácido de tanto bater, minha cabeça em pensamentos desconexos, minha cama quente e a minha mão gelada.
E mais uma criança aqui dentro querendo crescer. Sei lá: criança, semente, gente.
O que importa é que hoje eu fiz o que tenho de fazer, todos os dias em que me esqueço de não sonhar.
Peguei o sonho, a criança, a semente, a gente - que aqui dentro insiste em ficar - pela mão, fui até a estação de trem, o enfiei no bonde, fiquei parado, olhei nos olhos, os enchi de lágrima. Me questionei por que. Por que de novo o choro.Tirei um lenço do bolso, limpei a lágrima nada querida, abanei o lenço.

Sem título II

E depois penso junto de mim:
E essa grande vontade
Às vezes até carregada de um teor parecido com dever
De sermos o que pensamos que nos define?
Nós levará a algum lugar, por fim?
Conseguiremos passar por algum dia satisfeitos com nosso desempenho de viver nós mesmos?

O não conseguir: deverá viver aqui machucando os corações latentes até o dia em que ele não mais existir?

Eu tenho vontade de me despir do meu corpo e enfim mostrar a minha alma.
Nesse nu minha auto-estima existe, porque nele garanto a minha vontade de crescer sem precisar dizer.

Tenho lembrando
Do momento que ainda viveremos
Em que os corpos já não mais serão
Somente os olhos: esses vão ler
Escrever
Agir
Demonstrar.

Sempre tenho vontade de fazer um silêncio enorme
Desses que incomodam
Mas não consigo
E sinto que não posso
Deixar de dizer a que vim

Mesmo que, posteriormente, isso me traga sentimentos angustiados
Afinal nem sempre consigo passar o que quero.
Mas escrevo.
E digo.









10 de outubro de 2011

Sobre a beleza do ser

Começo então a escrever como quem começa um pensamento:
não esboço palavras, agora, para descrever o ser humano em sua total beleza.

Simplesmente deixo com que as minhas mãos quentes escolham as letras que possam ter a essência que vos digo:

Durante o dia eu quase apaguei a luz da minha alma.
Algumas lágrimas eu derramei ao pensar na dor do mundo
Na hipocrisia dele
E no medo de a ver dentro de mim dali a instantes.

O meu dia não começou no nascer do Sol
E sim no seu poente.

Portanto:
Hoje eu tive vontade de abraçar pessoas desconhecidas.
Hoje eu amei uma porção de olhares:
alguns um pouco tristes
outros mais confiantes
uns olhos infantis
e outros que me diziam algo que não sei.

Todos eles me deram apenas uma vontade: a de unir o meu corpo junto ao dos que são, e assim respirar fundo e leve.

O meu hoje foi agora. E nele eu aplaudi, por dentro, a obra que Deus fez: a Humanidade.

Hoje eu escolho dizer que vim para dizer que amo o ser Humano
Como não podia deixar de ser, deposito em todos os que me rodeiam a esperança que em mim reside.

Que no erro do outro, eu veja um grande futuro acerto, assim como faço ao tropeçar.

A simplicidade das coisas boas me espanta
Mais do que a tristeza das barbaridades.

Quero dizer que vim para amar
O ser.

4 de outubro de 2011

Sem título

_Existe uma coisa, a qual você já deve ter ouvido meu olhar dizer, que eu agora quero olhar para você.

E assim a boca dela olhava os olhos do outro, que ouvia:

_Eu amo a sua vida.

2 de outubro de 2011

O amor é grande

A prova:

Todos os dias me deito na intenção de te suspender de mim.
Quando desperto, me levanto e te arrumo na cama:
Que você adormeça.

[O amor não cabe.
Portanto o seu exílio
É a maior prova que posso dar
De que ele é grande.
É sim.]







1 de outubro de 2011

O livro dos abraços

"Helena sonhou que deixava os sonhos esquecidos numa ilha.
Claribel Alegria recolhia os sonhos, os amarrava com uma fita e os guardava bem guardados. Mas as crianças da casa descobriam o esconderijo e queriam vestir os sonhos de Helena, e Claribel, zangada, dizia a eles:
   - Nisso ninguém mexe.
Então Claribel telefonava para Helena e perguntava:
   - O que faço com seus sonhos?" (pg. 45, Sonhos esquecidos)


"Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada  entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta." (pg 90, A noite/1)

"Arranque-me, senhora, a roupa e as dúvidas. Dispa-me, dispa-me." (pg. 92, A noite/2)