26 de junho de 2010

Não entitulado

Rasgando-me eu vou seguindo
Para depois me retalhar.
E volto a me amarrar.
Dou meus passos
E rasgo-me mais um pouco.

Sou aquela boneca de pano que a doce menina tanto gosta.
Sou essa que cessa por minutos a sua solidão.
Sou seu fantoche, sua fantasia, que não pode viver nem fugir se não conduzida.
Não posso deixá-la.
Por isso me rasgo.

Não sou barco sem amarras, como se pode ver.
Mas sou ele mesmo embriagado.
Tonto e amarrado.
Cada vez mais torturado.

Logo eu que não sei quase nada do mar
E descobri que não sei nada de mim...

Estou atada ao mundo como a dor está ao amor.
Louca e desesperada, só existe se com ele for.






Parafraseando Chico, Adriana e Ana.

22 de junho de 2010

"É o tempo que te tem, menina.

o tempo me diz que rir da juventude é atestado de estupidez.

as décadas ridicularizam as piadas etárias, enquanto, você, tão moderno, enche a cara e abraça a constituição.
veste a carapuça da caretice. chama a polícia, porque tem menor bebendo uísque, enquanto você bebe alcatrão.

Digo, pois, que o maior problema de quem confunde maturidade e maioridade é o fim do horário de verão:

eis que, o desagradável da vez, percebe que uma hora não lhe faz a menor diferença.

é, nada mais, do que um tempo a mais pra pensar nos verões que passaram e nas novidades que parecem tão repetitivas hoje.

diante disso, ver você, que valoriza o florescer, ter uma hora a mais para ser interessante, é foda.

No tempo que passou, a maturidade foi tecida com cuidado, como vejo você tecer a sua, menina.

certas armadilhas nos fazem amadurecer rápido, você muito bem sabe.

o tempo fez de nós velhos jovens.

Velhos jovens que nauseiam diante da limitação imposta por valores morais antiquados, reforçados aos quatro cantos por pessoas pouco interessantes.

enfio nelas, agora, o gosto da maioridade.

e você, menina, goza.

olha como giram os ponteiros, na cadência que você gosta.

no atraso do relógio, os que não gozaram na hora passada são os mesmos que fazem piada da juventude.

então goza o tempo.

porque é o tempo que te tem, mulher."



Texto escrito por Tainá Lopes. Tudo a ver.

17 de junho de 2010

Além-palco

Já tensos, os pés pisam o chão enquanto o corpo, igualmente tenso e ansioso, se espreguiça.
A garganta, tentando se preparar vibra na intenção de ser aquecida.

Os pensamentos voam longe. A tão ensaiada peça já não causa entusiasmo. Os problemas são maiores.
O vento frio que bate no rosto deixa a garganta ainda mais irritada e ela, furiosa, insiste no aquecimento. Procura abrigo e se movimenta.
As mãos procuram o roteiro.

Agora os pensamentos mudaram de rumo. O teatro é a artéria. É o sangue. É mais: é o coração que bombeia a vida.

O dia segue.
A maquiagem começa. O falatório também.
Uma concentração descontraída, e a voz às vezes faltando com o compromisso.

O figurino molda o corpo, que agora é ainda mais visitado pelo personagem.

Os mesmos pés tensos e ansiosos pisam, enfim, o palco.
As mãos suam frias.
A música toca. O pensamento se contraria e se arrepende. Não sabe nem ao menos o que está fazendo ali, repetindo frases feitas periodicamente.
A hora chega. O holofote acende. Os pés e as mãos ficam quentes. O coração bate forte. (O coração que bombeia o corpo e o coração que bombeia a vida.).
A garganta solta a sua voz, e ela ecoa. O piloto automático é ligado.
O teatro está lotado. O prazer é anestesiante e por vezes duvidoso. A respiração fica profunda e ciclicamente mais curta.
As luzes se apagam.



E agora os pés, a garganta, o rosto, o sangue e as mãos finalmente relaxam.
O mesmo figurino é abandonado pelo personagem, mas continua ali, secando todo o suor que ele provocou na atriz.
Seu coração é o único que continua batendo forte. Dessa vez de satisfação.
O cérebro trabalha mais lentamente e a endorfina rola solta.
Tudo ferve quando ele provoca. Tudo ferve depois que ele nos deixa ser. Tem gosto molhado, salgado. Tem gosto úmido o pós-cena.

Tem magia o pós-teatro. Esse que nos faz bobas hipnóticas. Verdadeiras Bacantes sem estarmos necessariamente na tragédia de Eurípedes.
Dionísio criou meu coração. E ainda que o corpo relaxe de satisfação, forte ele sempre baterá.

Foi bom pra mim. Como sempre.

Terra à vista

Não sei aonde foi exatamente que larguei o leão que sempre cavalguei. O destino me quis só por um tempo, e eu aceitei.

O meu leão teria se machucado, mais do que eu, nessa longa estrada.
E hoje eu tenho o mundo em minhas mãos.

Cheguei ao meu castelo, já posso até avistar-me... Logo ali.
Olho pra trás e vejo por onde andei: Tive medo; fui surpreendida; me entreguei; fui Alice; cai na armadilha, fui molamba e me perdi em um mundo que não me pertencia; perdi o brilho enquanto eu era o Sol; e ninguém veio.

A Lua me guiou e cheguei até aqui. Mais forte do que nunca, mais feliz e mais esperançosa. Não preciso mais do leão. Mas posso tê-lo.


E como prêmio falo com mais propriedade do que novamente me invade:
O amor.