27 de maio de 2013

Batidas na porta da frente
É o tempo
Eu bebo um pouquinho
Pra ter argumento
Guardo no bolso
Então
Esse amor amassado que nunca foi

Não jogo no chão
Ou no lixo
Eu deixo aqui
Na esperança de aqui esquecê-lo
E quem sabe achar sem querer

Quem sabe te perco
Sem ver
Te esqueço
Sem querer
Quem sabe sem querer você
Me queira
Sem saber
Uma angústia no peito
Um nó
Uma porta trancada 
Uma chave perdida
Uma e outra tristeza
Uns e outros absurdos
Aqui dentro 
Mudos
E impacientes

26 de maio de 2013

como é que pude me esquecer
de te escrever
por todos esses dias?

logo eu,
que tanto sonhei em escrever em teu corpo
rabiscar os teus quadris
delinear teus ombros
esqueci de te falar em meus poemas
me afastei das letras que te diziam

como pude esquecer do café
do lápis
e do teu pensamento?
se é no teu momento que
descubro aquilo que não sei?


A felicidade morava tão vizinha
Que, de tolo, até pensei que fosse minha

24 de maio de 2013

Sobre o próximo passo

Sobre o próximo passo

"A palavra experiência vem do latim experiri, provar (experimentar). A experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova. O radical é periri, que se encontra também em periculum, perigo. A raiz indo-européia é per, com a qual se relaciona antes de tudo a ideia de travessia e secundariamente a ideia de prova [...] A experiência não é o caminho até um objetivo previsto, até uma meta que se conhece de antemão, mas é uma abertura para o desconhecido, para o que não se pode antecipar nem pré-ver nem pré-dizer".
BONDÍA, Jorge Larrosa.

http://www.youtube.com/watch?v=5PH4OqK2VDo
http://claricelispector.blogspot.com.br/2008/07/lngua-do-p.html

    A necessidade de dar mais um passo. Essa, que temos em nossas vidas pessoais. Essa, que urge na vida social. A partir da reflexão sobre experiência, educação, arte e autonomia, discorro sobre aquilo que me provocou. Aquilo  que me aconteceu. A minha defesa é pelo que nos acontece. E não pelo que simplesmente acontece ou se passa.
    Hoje tudo parece passar tão rápido. É tudo tão intenso e ao mesmo tempo tão superficial. Tanta informação e tão pouca experiência. Tão pouco tempo e não vivenciamos quase nada da forma que deveríamos. A moça indiana me fez acreditar um pouquinho mais na possibilidade de dar o próximo passo. Crianças aprendendo por meio de suas próprias experiências, crianças que não correspondem ao que nos parece ser quase um fado moderno: a redução e a simplificação.
    A moça do metrô, aquela da Clarice. A moça da Suzanne. Elas também me aconteceram. Porque, se não essa, qual é a utilidade real da arte? Nos possibilitar a experienciação por meio do contato com a vida humana. "Entender seria perigoso para ela" - disse o narrador em A Língua do P. Entender é perigoso para todos nós. E a palavra perigo me instiga assim como a palafra "infectar" instiga a moça indiana do vídeo. Quando penso em perigo, penso também em aventureiro, discutível, arriscado, ousado, incerto, indeciso, audaz. Entender foi perigoso para a protagonista e, portanto, ela não só se salvou, mas se conheceu melhor. Se entendeu ainda mais. Eis aqui as características do nosso próximo passo. O perigo da arte nos leva ao próximo passo. E se o nosso próximo passo nos  levar a nos olhar mais? A nos conhecer melhor? A ter mais autonomia para irmos adiante e ainda assim juntos?
    Eu tenho tido uma grande vontade - e eu queria que todos sentissem essa mesma vontade - de deixar que as coisas me toquem. De tocar as coisas. De me entregar ao inesperado da humanidade e ouvir. Eu me lembro de algum mestre me dizer que quando lemos, abrimos um corte para que o que for lido nos penetre. A música penetra os nossos ocos e nunca mais somos os mesmos. Que deleite seria ver a educação firme no princípio da experiência e do sentido, abrindo portas e mais portas pra arte entrar e também fazer o que saber fazer. Próximo passo: de mãos dadas, tentar dar o próximo passo.

Recomendações para se viver uma boa experiência ou
espécie de referências bibliográficas:
LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H. O início do livro: reflita sobre suas terceiras pernas. O mundo também tem diversas.
BONDÍA, Jorge Larrosa. Nota sobre a experiência e o saber da experiência*. O meu é todo grifado. Minha nota: diminuir a ansiedade, o ego, o mecânico. Aumentar o lúdico e olhar para os outros.
   
   
    

23 de maio de 2013

Me deu vontade de ler "A paixão segundo G.H"

-estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não a saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A isso prefiro chamar desorganização pois não quero me confirmar no que vivi - na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro.

Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser - se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele. Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.

Estou desorganizada porque perdi o que não precisava? Nesta minha nova covardia - a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la -, na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei coragem de simplesmente ir.

É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo. Até agora achar-me era já ter uma idéia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu me encarnava, e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que era viver. A idéia que eu fazia de pessoa vinha de minha terceira perna, daquela que me plantava no chão. Mas e agora? estarei mais livre?

Não. Sei que ainda não estou sentindo livremente, que de novo penso porque tenho por objetivo achar - e que por segurança chamarei de achar o momento em que encontrar um meio de saída. Por que não tenho coragem de apenas achar um meio de entrada? Oh, sei que entrei, sim. Mas assustei-me porque não sei para onde dá essa entrada. E nunca antes eu me havia deixado levar, a menos que soubesse para o quê.

Ontem, no entanto, perdi durante horas e horas a minha montagem humana. Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo - quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação. Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação: a ser? e no entanto não há outro caminho. Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra - como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização?

É uma desilusão. Mas desilusão de quê? se, sem ao menos sentir, eu mal devia estar tolerando minha organização apenas construída? Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido.



(Clarice)

22 de maio de 2013

Talvez, quem sabe, minha armadura proteja a sua nudez e você me dispa um pouco. Ou toda. Queria que você me ousasse na escolha exata do que liberta minhas asas. Queria que tuas asas me voassem um pouco.
Queria que você me abrisse a porta, o peito, a camisa, os braços. Queria te abrir as janelas, o corpo, queria te deixar entrar.



21 de maio de 2013

Dos que falam de samba e morenas moças

Todo bom homem sabe
Que perto de moça morena
Não é seguro ficar
Que longe de morena moça
É duro aturar

A vida

Da morena moça
É só de sambar!
De rodar a saia
Ela só se cansa no raiar
Do Sol
Que queima a morena moça
O homem também quer provar
Aquela pele macia e quente
Ele quer beijar

Depois que ela rodou a saia
O  homem lavou a louça
Pr'aquela morena
Ele deu na colher

E o samba continuou
E a cuíca chorou
Cantando o amor
Do bom trabalhador
Que tem vontade da moça
E que bom homem não é

18 de maio de 2013

É na tua dança, criança
Que teima em me dividir
Que a vida me assanha
Me pega
Me ganha
E depois pede pra eu
Me decidir

Chico

Rio de Janeiro, 19 de junho de 1944.

De Maria Amélia e Sérgio Buarque de Hollanda, nascem uns olhos azuis.
Uns olhos azuis que se meteram a olhar outros olhos
Que se meteram a olhar com outros olhos
Que se meteram a falar de outros olhos
Que se meteram a falar de todas as cores
Das dores
E dos amores do Brasil
Que se meteram a ir embora
Lutando por uma tão sonhada
Democratização
Do Brasil
De um historiador
Nasceu um imitador-poetizador
Que se meteu a falar 
No teatro
No palanque
Nos livros e
Nos vinis
Que se meteu a não se calar
E a gritar, em sua nudez,
Aquilo que o mundo quis
E foi aí
Que a gente sofrida
A gente humilde
Despedindo-se da dor
Saiu
Pra ver a sua banda passar
Pra ver aqueles olhos azuis
Cantando coisas de amor.

Eu ando por aí


Às vezes a vida me parece amarga
Mas meu perfume é doce
E eu gosto do amargo do café
Eu ando por aí
Dizem que eu amo errado
E que eu deveria beijar mais bocas
E menos fantasias
Eu ando por aí
E minha carteira de trabalho
Me diz que sou atriz
Deve ser por isso que eu fantasio
Aqui dentro do vazio
Essa imensa fartura
Do mundo

Desse todo tão imundo
Eu ando por aí
E às vezes me cego,
Não nego,
Às vezes ajudo a cegar
E tantas outras vezes procuro enxergar
Não sou rica
Nem pobre
Tenho minhas dívidas
E minha gasolina pra pagar
Eu vivo num mundo de dores
E vivo o desejo dos amores
E vivo o desejo de voar
Eu ando por aí
Eu me procuro nas brechas desse mundo
Nas páginas do livro
Nas linhas dos meus escritos
E nos olhos dos desconhecidos
Acredito me encontrar
O meu andar
Às vezes freia
Quando encontra
O seu olhar.


12 de maio de 2013

A moça



            Talvez eu queira te contar a minha história. O problema é que na maioria das vezes eu confundo a minha história com a da moça. Minha lembrança às vezes parece ser só a dela, e isso aperta ainda mais o meu peito, sabe, minha filha? Imagina se eu não saio mais desse hospital porque a lembrança da moça não deixa meu coração melhorar? Talvez essa não seja mais a minha maior preocupação. Então, prossigamos.
            A gente se conheceu no quintal da casa dela, quando eu tinha 8 anos e ela 6. Meu pai era jardineiro e trabalhava na casa do senhor Júlio toda quarta-feira à tarde. Pra não ficar sozinho, eu ia junto dele. Nós ficávamos a tarde toda subindo nos pés de manga.
Foi saudade o que eu senti quando meu pai deixou de ir à casa do pai dela. Ficamos 7 anos sem nos ver. Eu já tinha 17, e não me lembrava muito bem do seu rosto. A única imagem que me vinha era borrada - a moça dentro de um vestido laranja rodopiando pelo quintal. Eu quis ver essa moça. Fui até a sua casa pra ver se ela ainda morava lá. Não havia ninguém, mas o carteiro tinha acabado de deixar uma correspondência na caixa de correios e eu tratei de ler o destinatário: Júlio de Almeida Borges. Se o seu pai ainda morava ali, ela também havia de morar. Fui até a venda do senhor Tomás e pedi uma folha e um lápis. Escrevi, em linhas garrafais:
            "Tenho saudade das quartas-feiras, das mangas e do seu vestido laranja. Espero que você também tenha. Eram bons tempos. Passo aqui na quarta-feira da semana que vem para te ver. Com carinho, Miguel."
            Meus passos curtos e reflexivos me levaram até a minha casa. Não entendia o porquê daquela nostalgia repentina...
            Meu pai estava de saída e me pediu que fosse ao banco sacar algum dinheiro para fazer mercado. Agora ele tinha uma grande plantação de palma-doce e tinha o seu tempo muito ocupado. Fiz as compras pensando no que iria levar de presente para a moça na quarta-feira. Coloquei as laranjas no saco sem contá-las, pois me ocupava mais em pensar no que ela acharia do bilhete. Também tentava descobrir porque essa moça veio, de repente, atentar meu coração.
            A quarta-feira chegou. Me ajeitava frente ao espelho como se estivesse indo encontrar o meu primeiro amor. Eu ainda acredito que estava, minha filha. Dobrei as mangas da minha camisa azul e guardei em uma sacolinha o colar que comprei depois de tanto olhar o retrato de minha mãe no quadro da sala. 
            A moça estava sentada no banco de pedra que ficava na frente da sua casa. A palma da minha mão ficou gelada e úmida. Me sentei ao lado dela. Seu sorriso me amou desde aquele momento e ela me deu a mão. O quintal já estava quase uma mata, mas os pés de manga ainda existiam por entre as plantas. Tentamos subir em algumas árvores, e eu tentei ajudá-la, mas o pesar do seu corpo sobre a minha mão me desequilibrou e caímos, entre gargalhadas, no chão. Ela me disse que sentiu saudades e perguntou por que a abandonei. Eu a beijei pela primeira vez no mesmo quintal onde nos conhecemos. Você está rindo, meu bem? É... Eu sei que parece mais uma história boba, como nos livros infantis. Até hoje não entendi porque a vida me agraciou com aquele sorriso.
            A mão da moça me guiou durante alguns anos. Discutíamos, mas muito pouco, e as noites eram só para pensar naquela sorte. Naquela leveza de vestido rodado, que me amava, me amava, me amava até meu coração inflar.
            Ela me ligou numa segunda de manhã. Disse que seu pai tinha passado mal e que, pelo quadro grave, estava sendo trazido para um hospital na capital. Por vezes, filha, acho que o senhor Júlio esteve na mesma em que estou. A diferença é que hoje te conto minhas histórias e ele as contava para a minha moça. Ela veio embora, para o meu pesar. Ela dizia que era nosso, e que queria se colar em mim pra nunca mais a gente se separar. Mas não havia jeito, e quem diria o quê. Eu a levei na rodoviária. Da bolsa que levava o colar, ela tirou um trevo de quatro folhas e me entregou. Era pra dar sorte. Era pra ela voltar.
            Ela não voltou. Me ligava sempre que podia, mas a vida dura de cuidar do pai consumia todo o seu tempo, e foi prático casar com o médico do hospital. Ele gostava e cuidava dela, que já estava tão cansada. Lá no interior, eu tentava ocupar a minha cabeça para não sofrer tanto. Só queria saber de fazer minhas plantas, que eram muitas, já que eu era o único arquiteto da cidade.
            A vida foi seguindo, minha filha. E eu prefiro esquecer que não me lembro do nome da moça. Assim como esqueci como vim parar aqui... Vocês dizem que foi o meu coração, não é mesmo? Ele já está velho como a minha tristeza... Mas, como diz mesmo aquela música? Pra mim, é a saudade que mata a gente, menina.