21 de janeiro de 2011

Apenas seguirei como encantado ao lado teu.

Helena,

Já são duas e muitas da manhã e até parece que eu acabei de acordar. Desde que pisei o pé no chão, andei me esticando pelo ponteiro do relógio, querendo segurá-lo ou atrasá-lo, mas foi o jeito de dizer às horas que chegavam que ia deixar pra dizer que te amo depois da próxima volta.
E os meus pensamentos igual volta faziam, pensava em te dizer tudo o que passei até chegar até você: o quanto você me desperta a vontade de tirar os meus projetos da gaveta, por exemplo. Principalmente aquele de fazer uma casa na beira da praia em Búzios, pintar ela de branco e as suas portas de azul claro. Essa mesmo, da qual você falava todos os dias e dizia que ia me fazer melhor, que iria ficar menos estressado se a tivesse e fosse para lá passar um fim de semana tranqüilo, e essa mesma que eu sempre falei para você que era sonho teu e não meu, que eu não ia não, e que você não me deixava trabalhar, e que você não me entendia e sai que você não entende de vida difícil.
Também passei por aceitar que eu gostava sim do seu batom escuro, e que ele só me dava mais vontade de te beijar, e que isso de que te deixa com feição de gente preta é verdade mas era mentira que eu não gostava de mulher preta, eu sempre gostei e tinha medo que os outros homens na rua também gostassem.
Dava uma vontade enorme de beijar esses lábios e de ouvir aquela música do Chico que eu sempre disse me dar nos nervos. Você dizia que parecia com a gente e eu negava ouvir porque realmente parecia que aquele escroto me cantava o meu sentimento tão escondido por você. E muda essa música antes que eu desligue o som da tomada.
Eu também nunca disse pra mim nem pra você, por exemplo, que ficava feliz por demais de te ter ao meu lado todo fim de dia, e antes de dormir, e depois de dormir, e depois de acordar, quando despertava com os seus cabelos enrolados no meu peito... E que sempre adorei, mas nunca soube porque você sempre foi tão amável se sempre te larguei por qualquer misera reunião. Como você podia arrumar a minha pasta, organizar meus papéis, fazer meu café da manhã se eu sempre coloquei o trabalho antes do amor que eu sempre disse não existir?
Sim, eu sinto muito carinho e amizade por você, você é realmente muito companheira, Helena querida, e só um momento que o telefone tá tocando.
Eu não entendia e tinha medo que você parasse de ser assim, pensava em te agradecer para prolongar tudo isso, mas quando você me amava meu orgulho aumentava ainda mais, e eu pensava depois eu digo, ela vai achar que ela é a única coisa que eu tenho na vida, e que dependo dela para estar bem, e por mais que isso seja verdade, é melhor não dizer nada.

Pensava tudo isso e mais uma porção de verdades que também me apoiei e me estiquei, adiando o dia de encará-las.
Mas logo no próximo segundo eu sentia um frio que começa na ponta do pé e se distribui pelo meu corpo todo, congelando a minha garganta e o meu coração...
É o meu orgulho, amor... Esse que nunca me deixou viver o agora com todo o amor possível e só sabia me fazer esticar pela vida. Dia passa, noite passa e eu continuo no passado.

Foram pouco menos de 24 horas dando voltas no meu pensamento. Uma luta do meu amor contra o meu orgulho. Até que cheguei em casa, me deparei com a sua foto ainda de cabelos grandes, depois te vi na cozinha fazendo o feijão com toucinho que eu adoro, e depois me perguntando como foi meu dia enquanto eu tomava banho, e quando te vi em cima da minha cama chamando o meu nome eu resolvi acordar. Você não está aqui ao meu lado e isso me dói. Como a ferida está atada a dor, eu estou atado a sua lembrança, não é assim ou mais ou menos assim que o Pablo Neruda diz?
Eu quero sim a casa branca em Búzios, Helena. Quero te arrancar dessa cidade que não nos deixa em paz e te enfiar pela porta com mais meia dúzia de filhos fazendo piada. Quero fazer amor com você no quarto que vai dar para o mar. Vou te querer do jeitinho que você é, e desliga o meu telefone que agora eu sou seu, mas agora eu quero cuidar de você, eu quero te dar café na cama e eu quero estar com você na hora de nos amarmos, não quero ficar com a cabeça no dia de amanhã e vou sim dizer que você me dá tesão de viver porque você é uma mulher fantástica e que você é sim a mulher da minha vida.

Pensar que você pode ler essa carta e não dar a mínima atenção para uma letra minha me dói também. Me lembraria que agora sim já seria ainda mais tarde para dizer-lhe o quanto te amo e que eu não tinha prolongado porcaria nenhuma, e já está me lembrando o dia que você foi embora, e que a sua ausência me fez ter medo da sua presença... E eu já estou pensando que você só pode sentir repulsa de um homem que tanto não te tratou, que tanto não te cuidou.
Me aceita, mulher. Precisa me aceitar que já nem eu me aceito. Todo o meu passado parece me destruir. Meu arrependimento é tão doloroso que seria bom arrancar todas as páginas da minha vida, exceto a página do dia que te conheci.
As paredes ficam reproduzindo nossas conversas e eu já não agüento mais sentir saudade.

Volta pra mim, volta, pode vir com seu batom marrom, vem com seu cabelo novo e traz também aquele LP do Chico Buarque que você me deu e eu não ouvi... Mas foi por falta de tempo, prometo que foi... Você o levou com você...

Eu lembrei do trecho que diz o nosso amor e que eu nunca quis ouvir mas meu coração ouv
iu.


Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo da gente.
Preciso conduzir
Um tempo de te amar,
Te amando devagar e urgentemente.

Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez,
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez.

Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente...
Prefiro, então, partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente.

Depois de te perder,
Te encontro, com certeza,
Talvez num tempo da delicadeza,
Onde não diremos nada;
Nada aconteceu.
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.

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