24 de setembro de 2013

Você mora no litoral dos meus sonhos

Você mora no litoral dos meus sonhos
E quase transborda meus olhos

Você estava por aqui, caminhou devagar, parou frente ao oceano aqui de dentro e me olhou. Você mora no litoral dos meus sonhos e eu pedi pra você não entrar no mar, não vá sumir no mar.
Você se virou pra mim e o seu rosto era vento e areia - era o tempo que pinga e passa e enterra. Eu fechei firme os olhos e tentei lembrar do seu olhar, mas eu só lembro de você quando mentalizo seu sorriso infantil e bobo - e você gargalhou.
Ai, você gargalhou no meu peito, me deu um repuxão aqui, eu mudei de lado. A cama me rodeia de palavras e imagens e você me abraça e teu cheiro me nina tua boca me amolece os olhos -
Os olhos lacrimejam a saudade do que não foi
Tuas reticências nos põem vírgulas
E me fazem interrogar
Os pontos

Seu amor me confunde
E bagunça a vida
Seus sonhos me saltam à vista
Me transbordam os olhos
E eu acordo
Do litoral
Dos seus
Sonhos





20 de setembro de 2013

Como são tristes
As palavras surdas
Como agridem num sussurro absurdo!

Como é triste o pranto
Das roucas lamentações

Pesam os fardos:
Me doem!
Cansei de ser
Aquilo a que não me propus

Como doem as palavras mudas
E os gestos
Quando não vistos
Como doem os esforços inúteis

Como dói o
Triste
Ter de.
Ser obrigado a.

Não vou viver nada que não me caiba
Vivo no mundo
Viver é um risco
Preciso me convencer de que
Ainda
Enxergo
(Já que é inútil convencer quem não tem olhos
Saudáveis
Pra me enxergar)

"Porque há direito ao grito. Então eu grito"

Para uma Helena distante

Helena,

É muito estranho olhar para o apartamento e não te ver andando descalça, de camisa e calcinha. O silêncio sempre me foi tão agradável, e agora ele tem um som de 'zzzzzzzz' constante. O som do tédio. Não tenho vontade de levantar daqui. Minha coluna tá doendo, minha boca amargando. Não estou fumando, nem tomando café. Tudo o que estou fazendo é olhar para a sua ausência - a minha imagem refletida na tela da televisão. Estou tão desgastado, meu amor, e isso tudo é a sua falta. A sua falta penetra os meus olhos e estou cheio de olheiras. Me diga quando é que vai voltar. Não me diga que estou me apoiando na sua lembrança, usando sua ausência como desculpa - não me diga que você é uma bengala, talvez eu me veja obrigado a concordar.

A quatro mãos (2)

a despedida é menor que um poema
a despedida é um verso

o verso é o inverso
do começo

verso
é onde
as coisas começam
só para terminar

verso é despedida
e antes desse terminar,
só mais um pedido
deixe dessa vez
esse verso
ficar


o verso
que fica
é o verso
que re
signa

e fica.

tem coisa que fica
depois de ir embora
tudo o que vai
fica
o poema
são versos
a terminar


verso é
a parte do poema
que parte
é a parte do poema
que se vai


versifica
e vê se fica
que poema
significa
que nada precisa
terminar
 


Com Julianna Motter
www.comascartasnamesa.blogspot.com 
Anoiteci.
A noite é, em si,
O destino da manhã
O desatino da tarde
Foi
Em tarde sendo
Que pude
A manhã ser.
É verdade - sempre tive você como alguém que iria me dar a mão. Por mais que você nunca a tenha estendido pra mim. Esperei os seus beijos. Estou aqui esperando seus abraços.
Diga o que quiser, talvez eu tenha mesmo te posto em um lugar ao qual você nunca vai pertencer.
Talvez ele não te caiba, ou seja grande demais pra te abrigar (esse lugar pode ser o coração).
Passa o tempo, eu sinto raiva às vezes (quase sempre), e a raiva é o avesso do amor: então ainda é amor.
Passa o tempo, e você não vem, e o que é que fazem os que esperam?
Eles esperam. Fui me adaptando à espera e ela é quase confortável pra mim, não duvide (aqui faz frio, não passa ninguém). Algumas posições machucam menos, especialmente aquela a que chamamos de 'em pé' (aqui faz muito silêncio. Parece que tá todo mundo esperando. Você também espera? Quem você espera?).
Estou em pé - meus pés pisam firmes o chão, às vezes eu caminho pelo espaço que me é dado, você ainda me machuca por não aparecer, mas estou em pé. Uma posição confortável é aquela que adormece. De início, dói, mas depois, se esquece. Eu ainda te espero, como sou burro, como você é burra, por que é que não abre a boca, eu não te mandei calar, os cachorros latem agora, isso me incomoda - você deve estar chorando em algum canto da cidade e eu estou muito ocupado à sua espera (somos todos idiotas num mundo de esperas).
Estou entre um dia e outro, perto do fim, à esquerda do quase e à direita do não, pode chamar esse lugar de esperança tola, então, é aqui que te espero, me acorde quando chegar.
Explique-se
De uma vez por todas:

Onde dói?
Que beijo
Onde prende?
Que solto
Onde fecha?
Que abro
As janelas
Todas as portas
E o que mais quiser

Dois-um, dois-um,
Vamos começando as explicações
Cartas na mesa
Branco no preto
E um vinho tinto

Faz assim:
Suas reclamações você joga fora
Sua boca você põe na minha
Você:
Se põe em mim
(Cada coisa em seu lugar!)

Explique-se,
Eu ainda estou esperando
Comece pelo sim
Vá admitindo os medos
Os amores
Os propósitos
Vá tirando a roupa
Do fingimento
Que
Entre
Nossas
Linhas
Rasteja
Feito
Réptil

Vá abrindo a boca
Vá tirando a língua da boca
Comece a falar

Vá ficando nu
Vá ficando cru

Vá se explicando enquanto
Sua
(Enquanto sou sua)
Quero ouvir o que na sua voz
Soa
Feliz
(O som da felicidade vezes falha, vezes sussurra)

Estou me despindo
Também
E vou te olhar sem dissimular
Estou entregando as armas
Sem hesitar

Baby,
Não me leve a mal
Por querer tanta explicação
Tanto coração
Tanta cor
Tanta ação
Eu só quero mesmo mergulhar
Nesse tão profundo e misterioso
A
Mar.

Nota de uma manhã no hospital

Tinha mania de tentar adivinhar os rostos jovens que os velhos escondem. Tem gente que parece que nunca foi jovem, pensava, e criava histórias para os velhos da fila do hospital.
O senhor do boné era um garoto livre, esperto, morador do Rio de Janeiro. Era amante fiel de muitas e se apaixonou por uma delas, a mãe da moça que está sentada ao lado dele.

A senhora de 84 anos está ao lado da filha, as duas são grisalhas e se olham - a que cuida já foi cuidada, certamente já teve medo dos olhos que agora acaricia. Ninguém vive esperando que esse momento um dia exista - você vai crescendo, suas costas doem um pouco, mas sua mãe vai se doendo de tudo. Você acompanha ela até o médico, primeiramente, por causa de uma dorzinha no estômago, depois se vê dando o braço pra que ela não se desequilibre e num jantar de família te mostram uma foto que revela: os anos se passaram, foram levando a vida, os cabelos dela clarearam, sua filha a chama de vovó.
Envelhecer é morrer mais rápido a cada dia, há que se ter paciência com as perdas. Perde-se tudo, ou quase tudo, talvez fique só uma luzinha acesa ali no fundo, mas há que se saber lidar bem com perdas.
Tornar-se velho: entrar em uma estrada mais estreita e mais perigosa. Alguns ficaram no meio do caminho, há cansaço, não há negociação com o tempo, os argumentos são fracos, a rugas nos invadem.
Eu morro de medo de envelhecer, pensou. Lembrou-se de sua primeira estria, o quanto tinha chorado. Não vai suportar a incontinência, a dependência, a feiura das feridas feitas na pele sensível. Não poder sentar-se sozinho, ir ao banco pagar uma conta. Envelhecer é regredir aos poucos, voltar a terra c o n s c i e n t e m e n t e - o que dói. Talvez eu perca a cabeça um dia. Tem gente que esquece das coisas com o passar dos tempos. Talvez sofram menos esses, afinal esquecem que esquecem. Esquecem do que foi, do que será.
A mãe e a filha foram embora de mãos dadas. Vão tomar café em um supermercado. Se uniram, e eu penso que sempre se amaram, mas há algo que une na doença.
O velho do boné colocou óculos escuros e cruzou os braços. Deve estar tratando a vista, e o que é que isso importa. Já não há mais paciência pra se lutar contra a cegueira cinza da velhice.
O mundo vai desaparecendo bem na frente dos nossos olhos - vai se dissolvendo em grãos, virando areia, e os grãos vão entrando nos nossos olhos, e às vezes se cai por não conseguir mais olhar.
A poesia vivia
Querendo fugir

A menina morria
De tanto chorar

Era só agonia
Tentar encontrar
Os versos
Que pudessem
Falar

A poesia
Menina
Querendo surgir
Fez no peito
Da Flor
Um mar
Desabrochar

A poesia
Menina
Foi brotando
Feito flor
No mar
De rimar
Re amar
E
Voar
(De tanto amar)
A água uma hora evapora, e o amor são folhas secas.
São flores
Mortas
O amor só
Secura
Num copo de aguardente

Ele pôs os amores num vaso de porcelana
E fechou a porta.

- sempre se esquece algumas janelas abertas.

A quatro mãos (1)

Céu e seu -
indefinido
infinito
de ser
e sermos

dois

céu é o infinito
entre o seu
e o meu corpo
quando lado
a lado

quando alado -
"seu" é meu
infinito
quando
por sua boca
chamado

 
O amor
Que era todo céu
Continua sendo seu
Meu
Céu
É
Ser
Eu
Em
Você

 Com Julianna Motter
www.comascartasnamesa.blogspot.com

Resposta ao sonho teu

[Dessa vez quem sonhou fui eu
E não estávamos num beco
Estávamos num beijo
Num beijo sem saída]

Transbordo

Além da borda
Me situo
À deriva
Me encontro

Minhas águas minam
E escorrem
Pelos quatro cantos
Não há orla
Nem limite
Há situação:
Ando sendo transbordo de mim
Mesma
E ainda assim não sou rio
Nem mar

Sou ar

Deságuo entre seus
Quadris
As esperas
As crianças
As andanças
(As esperanças)
E às vezes você cansa
De me ouvir

Mas sou sem beira
Me situo num sem centro
De mim
Me situo na beira
Do que não tem fim

E em seus sins,
Meu transbordo vai além
Do que já é além
Transborda
Transforma
Transpõe
Transtorna

Você é meu transtexto
Você contorna
O que não tem periferia:
Meu corpo
Que anda
Desaguando
Pelo mundo

(O mundo às vezes parece que deságua em mim)

Além da borda
Me situo
À deriva
Me encontro

Transbordo
Enfim.