28 de dezembro de 2013

04 de dezembro de 2013

Eu não entendo a vida. Pensei muito sobre isso durante o decorrer dos meus dias. Estive vivo e sempre soube que não entendia nada sobre isso. Nunca quis saber muito, quem é que quer? É coisa de doido querer saber porque estamos e sabermos por que estamos. É coisa de tolos querer ir além do que a ciência explica. É um buraco sem fundo. Que impulso é esse a que chamamos vida, e o que é morte, hoje eu estava observando o pombo que me acordou e estava na janela. Seus olhos parecem colocados. O pombo parece um brinquedo. Mas me disseram que dentro dele mora o impulso da vida. Até que se vire o seu pescoço, aí será só matéria, matéria inerte, eu acho mórbido, mas imagina, o que me diferenciará do pombo quando nós dois formos matéria inerte... Por que penso nisso? Por que acho que o pombo não pensa nisso? Porque ele não é tolo, é claro, ele pensa que se vivo está, assim deve se manter, e come, e procria, e se defende. Nós somos todos tolos, humanos amadores em viver. Quanto tempo será que perdi...

03 de dezembro de 2013

       E quando se acorda e não se sente nada - só o frio, nem dormência? A isso chamam felicidade ou tédio? Não sei se satisfeito ou vazio. Cheio ou farto, preenchido ou ok. Transbordo, não. Isso eu sei que não. O transbordo me tem num além que bem sei, e não há agora. Não te vejo aqui. Estou somente justo em mim. A medida certa, na borda do corpo, nada além dele, e ele só o frio sente. Dá uma espécie de melancolia, mas não chega a ser uma sensação propriamente dita. Nem dormência, minha flor de maracujá. Até agora - é meio-dia, que horário mais vazio -, a palavra é nada. Sinto que nesse nada tem coisa, enfim, reflito depois de almoçar.

(Hoje a enfermeira vai trazer sopa de letrinhas e eu só verei N,A,D,A,N,A,D,A...)

26 de dezembro de 2013

Eu tenho a morte como companheira de quarto



Ela dorme aqui ao lado e é sempre silêncio. A morte é tão calada que eu acho que tenho sede e eu vou até a cozinha sem vontade de voltar. A morte vegeta, é inerte, é isso que me assusta nela. Ela existe, é material, e é matéria morta. 
Eu durmo de frente pra morte. Estou cara a cara com ela - mas ela mal me vê, a morte é inconsciente.

Quando eu tenho preguiça de ir até a cozinha, eu gemo, pra ver se ela ouve e vai me buscar um copo de água - e quem sabe nunca mais volte -. Eu gemo, tento falar, mas me dá um nó no peito e eu não consigo.
 
Eu tenho a morte como companheira de quarto, e tento olhar lá pra fora. As janelas estão enferrujadas e já não se abrem tão facilmente. Às vezes chove aqui dentro e ninguém vê. Ninguém ouve os trovões. No máximo escorre alguma coisa pra varanda, e o tempo limpa. 
Estou tentando dizer, mas eu não sei mais como sair desse quarto. Estamos juntas e atadas, jamais vamos nos separar.
Aqui chove.
Às vezes florece algo no meu peito, e eu sorrio resignada.
Eu sorrio quando ela morre um pouco.




2 de dezembro de 2013

Sabe, que às vezes fico pensando onde é que você está não lembrando de mim. O que é que anda fazendo, que nem passo pela sua cabeça - você não me esquece, eu nunca fui uma lembrança, fui no máximo alguém que existe, e você lembraria de mim se me visse em alguma esquina sem querer. Oi, como vai, um beijo, pra mim seria o destino que me levou a você e pra você seria somente um acaso, um descaso, um minuto a mais pra conta chegar, e acabou que nos esbarramos por aí.

Há alguns meses eu me esbarrei em você, e também me pergunto que tipo de descaso do tempo fez com que meus olhos enxergassem os seus. Porque, com toda a certeza do mundo, meus olhos devem ter te visto por muitas e muitas vezes - o mundo é tão gigante e pequeno ao mesmo tempo -, mas nunca enxerguei sua existência assim tão de perto quanto naquele dia que te conheci. Nunca soube que existia alguém no mundo assim, justinho você. Me seguro tanto pra não ficar piegas, e eu acho engraçado enquanto escrevo, porque vou me lembrando de cada detalhe e você nem mesmo me pensa, nem mesmo me esquece em algum bar da cidade.

Descobri que o segredo pra muita coisa está no motivo. Se quero andar, me pergunto por que, e a resposta será a justificativa mais plausível para que eu consiga andar. Há que se ter motivos na vida, pra que quer enxergar? E eu diria, pra ver, pra olhar, pra entender. Pra que te conhecer? Eu diria, pra amar, e foi por aí que tudo me bastou, foi por aí que eu pensei

- que nem mesmo me esqueça
mas que eu possa,
ao menos,
me lembrar.

Esqueça todos os dias em que não te amei

esqueça quando não me dei desde o meu avesso até o meu além
esqueça quando fui só imagem, quando fui só língua
quero ser tua até pertencer tanto e virar
paisagem

quero ser tua verde-azul miragem
colorida passagem
para o ainda mais

esqueça quando fui só beco
que eu seja a saída
lembre-se apenas dos dias que te quis
daquele dias sem despedida

sou tua saída e tua entrada
sou o teu adiante
sou teu caminho
de curvas perigosas
mas, lembre-se somente
dos dias
em que te
amei

Eu e os dormentes

Eu,
Dormente,
Te espero
Na estação

Estático
Eu vejo a gente
Toda a gente
Passar
Olhando pro chão

A angústia
É dor
Dormente
Que não dorme,
Nem mente -
Angústia
É dor que espera
Alguma coisa
Da gente

Um trem
Um aceno
Um adeus
Uma decisão:

Angústia é dor da mente
Que vai
Pro coração

1 de dezembro de 2013

Um dia te olho tudo o que sinto. Vou te sentir tudo o que amo. Quero ver você enxergar tudo o que ouvir. Deixe que toquemos tudo o que existir, deixe que tudo exista tanto que possamos tocar o tanto e o tudo.
Falo sempre de ausências - presenças exageramente profundas. Presentes bem no fundo.
Por dentro e fundo você foi me escrevendo e eu já tenho quase um romance de palavras que te descrevem.
Sem querer e sem saber, você escreveu uma história no meu peito. É bem aqui dentro e lá no fundo, que eu não alcanço, onde o seu amor mora. E pulsa que dói. Sim, o amor dói.
Falo sempre da sua ausência e você sempre insiste em se ocultar. Eu quase me acostumo, já quase aceitei esse amor de fora pra dentro e cada vez mais dentro e apenas dentro. Só que ouço seu nome pelos corredores e me pulam os nervos. E me saltam os arrepios. Ah, eles transbordam a carne...

Sobre a sua distância



Eu tenho uma ânsia disso tudo. Nasce na boca do meu estômago, mas vem aqui pra minha cabeça. Sabe quando você não consegue ficar quieto porque seus pensamentos simplesmente te impedem? Aposto que você sabe. Principalmente a essa hora da noite. Nós dois sabemos que quando fica escuro o pensamento vem nos atormentar. E aí a gente não dorme. Mas nunca me dormem os seus pensamentos, sempre me doem os seus pensamentos, sempre essa ânsia quando são por você os meus sentimentos. E daí que tudo o que escrevo é clichê demais, é tudo clichê nesse mundo, e ninguém me lê uma hora dessas, são quase uma e quem não dorme tenta dormir.
Eu tento te dormir muitas vezes ao dia. Quando eu acordo, tento te por na cama e sair bem rápido pra que você não venha atrás. Mas você sempre vem.
Você sempre vem atrás de mim, mas fica sempre distante, você é sempre esse ponto desfocado em algum lugar perto de mim, ou uma sombra, que seja. Mais um clichê. Mas é isso: você é intangível. E me dá uma ânsia tudo isso. Fico até zonzo.
A saudade -
é só do que escrevo

(A saudade é só o que sinto)

Quando me enfrento
A saudade é só o que vejo

Não são saudades suas,
Engana-se, se assim pensa

São saudades minhas
Dos dias que te vi
Dos céus que sempre víamos
E os dizíamos lindos

Olha o céu agora!

E diz que também sentiu saudade
Daquelas tardes
E das poucas horas
Em que nos conhecíamos
Nos segundos correntes
De sorrisos bobos

Ouve aquela música
E diz que sente saudade
Da chuva que caia
Quando você ouvia

Sente aquela alegria
E o cheiro do novo
De novo

Me veja de novo
E diz que sente a falta
E diz que ainda me tem
Em suas ausências

Saudades, mas não suas
Saudade de te ver passar
E se mover

Se chover
E a cidade ficar vazia
São saudades outras
Que sentirei
Mas não suas
Ainda não deixei que os grãos caíssem da minha mão

O tempo de amar é só um

Não quero assistir
Grão por grão
Voltar pra imensidão
E ser engolido pelo mar

Quem vai mergulhar sou eu
Com tudo na mão,
Junto de você,
E devolveremos em águas
Tudo o que o amor
Nos deu

O tempo de amar é só um
E esse tempo
É como o tempo
Do mar

Entre uma onda e outra
Já não se trata do mesmo
Tempo

(O tempo de mar é só um)
Eu sinto, por você
Uma vontade úmida
Que vai pingando
Que nem a chuva
Poesia
Que
Cai

Eu sinto
Em você
Um pôr-do-sol rosa
Alegria
Que
Se vai
Fica

Porque sinto
Por você
Um amor flor
Uma semente
Que sabe-se lá
Quem plantou

Eu sinto um medo acre
De me tornar um ser agreste
Quando você não mais
Me sentir

Eu paro tudo
Tudo mesmo
Quando eu vejo
Você existir
Tá chovendo. Por que a chuva faz a gente ter tanta saudade? Existe algo na chuva, algo além do frio, algo além do barulho, parece algo que ressoa tudo o que não foi. A chuva sempre parece ser a preciptação das coisas que se abreviaram. Como se as nuvens guardassem em si todas as palavras não ditas, os momentos que estivemos juntos e que eu não disse que te amava, nem peguei na sua mão, nem tentei me aproximar. O céu guarda essas coisas, é isso, e aí precipta nesses dias nublados tudo tudo o que não foi. E te chama em forma de saudade. No arrepio do meu corpo.
E eu derramo o chocolate quente, e se fosse vinho também transbordaria, nem tudo que esquenta é como o seu corpo, nem tudo que esquenta é como você, ta aí a prova, tentei dormir e não consegui, e quanto aos livros... Ainda parece que você está aqui. Tudo me acende, tudo te falta, e tudo te tem.

13 de novembro de 2013

Anoitecer



Anoitece
E a noite tece
O meu desejo
Nu

À noite,
Se quer
Ser
Um só
Ser

A noite
Sequer ceia
Antes de dormir

Dorme faminta a noite
Durmo faminta à noite
Eu durmo a noite
E a noite me dorme
Me sonhando
Você

(A noite se
Debruça
Sobre o nosso amanhã-ser
E dorme)
A dor,
Meu ser,

A dor passa.

A dor,
Meu céu,
É aprender

Que tudo passa.
gosto muito do teu momento
beijo
do teu gosto
doce
gosto muito
dessa tal coisa
a que chamamos pertencimento

gosto do nosso argumento
desse gosto de recebimento

te recebo
me envio

você é meu desvio
extravio
de mim

extravivi
o que sabia que era
extravasão
dei vazão
ao transbordo

pra além

do chão.
Você
Quando foi
Me cicatrizando
Também
Me doeu

Eu
Quando fui
Te cicatrizar
Foi tentativa
De esquecer
O que doeu

Mas ainda dói
Só não rói
Mas tudo o que sara
Dói enquanto cura

E eu ainda estou te curando
Te colocando
Na estante
Do que já
Morreu
Quando se trata de amor
Há que se ter um pouquinho de dor
Pra poder falar

Pelo menos pra mim,
Não que o amor só seja bom se doer,
Mas só se doer que é amor,
Só se for tanto que chega a ser dor
Desses que crescem até (quase) romper
Tá chovendo. Por que a chuva faz a gente ter tanta saudade? Existe algo na chuva, algo além do frio, algo além do barulho, parece algo que ressoa tudo o que não foi. A chuva sempre parece ser a preciptação das coisas que se abreviaram. Como se as nuvens guardassem em si todas as palavras não ditas, os momentos que estivemos juntos e que eu não disse que te amava, nem peguei na sua mão, nem tentei me aproximar. O céu guarda essas coisas, é isso, e aí precipta nesses dias nublados tudo tudo o que não foi. E te chama em forma de saudade. No arrepio do meu corpo.
E eu derramo o chocolate quente, e se fosse vinho também transbordaria, nem tudo que esquenta é como o seu corpo, nem tudo que esquenta é como você, ta aí a prova, tentei dormir e não consegui, e quanto aos livros... Ainda parece que você está aqui. Tudo me acende, tudo te falta, e tudo te tem.
A poesia não é anestesia
É justamente
O contrário
Passou a ter um medo sincero de ser superficial. Perguntava a todos que conhecia. Você acha que eu sou superficial, acha que estou falando demais, talvez um pouco alto, concorda? Estava procurando a sua alma, era como uma roupa perdida no meio de um armário bagunçado, era como achar uma pequena chave em uma bolsa grande. Tinha medo de ter perdido a sua alma. Aquele susto que dá no peito quando se percebe que algo não está mais ali. Não conseguia chorar. Suas emoções encontravam paredes firmes, bem feitas, e ela nem viu quando elas se ergueram. Devem ser as dores, elas são tijolos. Meu Deus, estou subindo cada vez mais para a superfície de mim, meus olhos já não devem dizer mais nada, algumas lágrimas se penduram em minhas pálpebras, mas não largam, não descem, meu peito não arfa. O que é que há, minhas janelas só tem a vista, não tem ninguém observando. Me desculpa, eu falo um pouco alto, e falo sempre, mas não sei bem o motivo, talvez eu só queira estar presente, talvez eu só queira fazer parte, mas talvez você nem me enxergue. Você me enxerga? Eu não me enxergo, talvez eu precise de ajuda, me mostra onde tá a minha alma, minhas janelas já estão abertas, entra aqui e quem sabe você não acha a minha alma em algum canto, atrás do sofá, às vezes o meu olho não viu.
Seus olhos viam, ou será que não viam e este seja exatamente o ponto, mas seus olhos brilhavam, eram disponíveis, era um corpo disponível no mundo, um corpo como qualquer outro - mas nem tão entregue, simplesmente um corpo disponível para as provocações do mundo. Hoje fala pelos cotovelos, e fala rouca, fala tanto que dá tudo de mão beijada, não tem muito mistério, seus olhos são um pouco ocos, o que é que há, não sei, me quebrem as paredes, pulem a janela dos meus olhos e procurem a minha alma até que ela seja vista. Me ajudem, podem abrir tudo, escancarar, abrir as portas, enxaguar a poeira, entre, a casa é sua, ache algo que ainda seja vivo e diz que esse algo sou eu.

23 de outubro de 2013

Desses que são um desabafo

Vou te contar uma coisa:
quem pariu o mundo
foi uma mulher

e é por isso
é
é por isso
que a gente é tão amada
é por isso
que esse amor, às vezes, vira espada
vira um dedo em riste
ou uma cara fechada

um dia, alguma mulher
no mundo
foi parir
e o marido
foi caçar

um dia, por algum motivo
caçar
passou a significar mais
do que criar
e por quê?

não desmerecendo o mérito de caçar,
mas criar...
foi daqui que você nasceu,
valente,
foi daqui que você saiu!

fui eu quem te pariu
e não foi fácil
gestar

não foi fácil
entender

e foi por isso também:

Um dia, alguma mulher
no mundo
engravidou
e não entendeu porque
engordou
e nem soube o que era aquilo
que
gerou

e, mesmo assim,
é pra isso que mulher vive:

pra criar!
o peito: pra dar de mamar!
o quadril: pra alargar

é a natureza humana:
mulher é mais fraca mesmo,
não aguenta muita coisa
- e esqueçamos a dor do parto -
mulher é mais frágil mesmo
chora à tôa
- e esqueçamos a dor da peia -
mulher é bicho burro
- e esqueçamos a capacidade de enxergar a sujeira do mundo sem cegar -


mulher,
meu filho,
filho meu,
é quem te pare
e nem por isso é obrigada a parir teu irmão

mulher é quem sangra todo mês
e nem por isso tem que ficar chorando
pedindo perdão

e nem por isso tem que ficar chorando
pedindo um igual ganha pão

não é porque eu sangro
que eu sou menos 
filho,
que paguem o que me devem e nada mais justo
nada mais justo
que ganharmos o mesmo
por trabalhos iguais

e já que se trata do simbólico
o vermelho do meu sangue não é dor:
é luta
mulher não é só vítima
mulher também levanta a mão

já que é pra falar de falo
a gente também levanta nosso membro
fálico
pra bradar indignação



e não vem tentar que dizer que isso é balela
porque desde que o mundo é  mundo
tem um peso enorme em cima dela

agora não me pede pra ir fechando a perna
e ter bons modos
se não eu digo
que mulher chora
e homem não
e você
vai ter inveja
de mim.

24 de setembro de 2013

Você mora no litoral dos meus sonhos

Você mora no litoral dos meus sonhos
E quase transborda meus olhos

Você estava por aqui, caminhou devagar, parou frente ao oceano aqui de dentro e me olhou. Você mora no litoral dos meus sonhos e eu pedi pra você não entrar no mar, não vá sumir no mar.
Você se virou pra mim e o seu rosto era vento e areia - era o tempo que pinga e passa e enterra. Eu fechei firme os olhos e tentei lembrar do seu olhar, mas eu só lembro de você quando mentalizo seu sorriso infantil e bobo - e você gargalhou.
Ai, você gargalhou no meu peito, me deu um repuxão aqui, eu mudei de lado. A cama me rodeia de palavras e imagens e você me abraça e teu cheiro me nina tua boca me amolece os olhos -
Os olhos lacrimejam a saudade do que não foi
Tuas reticências nos põem vírgulas
E me fazem interrogar
Os pontos

Seu amor me confunde
E bagunça a vida
Seus sonhos me saltam à vista
Me transbordam os olhos
E eu acordo
Do litoral
Dos seus
Sonhos





20 de setembro de 2013

Como são tristes
As palavras surdas
Como agridem num sussurro absurdo!

Como é triste o pranto
Das roucas lamentações

Pesam os fardos:
Me doem!
Cansei de ser
Aquilo a que não me propus

Como doem as palavras mudas
E os gestos
Quando não vistos
Como doem os esforços inúteis

Como dói o
Triste
Ter de.
Ser obrigado a.

Não vou viver nada que não me caiba
Vivo no mundo
Viver é um risco
Preciso me convencer de que
Ainda
Enxergo
(Já que é inútil convencer quem não tem olhos
Saudáveis
Pra me enxergar)

"Porque há direito ao grito. Então eu grito"

Para uma Helena distante

Helena,

É muito estranho olhar para o apartamento e não te ver andando descalça, de camisa e calcinha. O silêncio sempre me foi tão agradável, e agora ele tem um som de 'zzzzzzzz' constante. O som do tédio. Não tenho vontade de levantar daqui. Minha coluna tá doendo, minha boca amargando. Não estou fumando, nem tomando café. Tudo o que estou fazendo é olhar para a sua ausência - a minha imagem refletida na tela da televisão. Estou tão desgastado, meu amor, e isso tudo é a sua falta. A sua falta penetra os meus olhos e estou cheio de olheiras. Me diga quando é que vai voltar. Não me diga que estou me apoiando na sua lembrança, usando sua ausência como desculpa - não me diga que você é uma bengala, talvez eu me veja obrigado a concordar.

A quatro mãos (2)

a despedida é menor que um poema
a despedida é um verso

o verso é o inverso
do começo

verso
é onde
as coisas começam
só para terminar

verso é despedida
e antes desse terminar,
só mais um pedido
deixe dessa vez
esse verso
ficar


o verso
que fica
é o verso
que re
signa

e fica.

tem coisa que fica
depois de ir embora
tudo o que vai
fica
o poema
são versos
a terminar


verso é
a parte do poema
que parte
é a parte do poema
que se vai


versifica
e vê se fica
que poema
significa
que nada precisa
terminar
 


Com Julianna Motter
www.comascartasnamesa.blogspot.com 
Anoiteci.
A noite é, em si,
O destino da manhã
O desatino da tarde
Foi
Em tarde sendo
Que pude
A manhã ser.
É verdade - sempre tive você como alguém que iria me dar a mão. Por mais que você nunca a tenha estendido pra mim. Esperei os seus beijos. Estou aqui esperando seus abraços.
Diga o que quiser, talvez eu tenha mesmo te posto em um lugar ao qual você nunca vai pertencer.
Talvez ele não te caiba, ou seja grande demais pra te abrigar (esse lugar pode ser o coração).
Passa o tempo, eu sinto raiva às vezes (quase sempre), e a raiva é o avesso do amor: então ainda é amor.
Passa o tempo, e você não vem, e o que é que fazem os que esperam?
Eles esperam. Fui me adaptando à espera e ela é quase confortável pra mim, não duvide (aqui faz frio, não passa ninguém). Algumas posições machucam menos, especialmente aquela a que chamamos de 'em pé' (aqui faz muito silêncio. Parece que tá todo mundo esperando. Você também espera? Quem você espera?).
Estou em pé - meus pés pisam firmes o chão, às vezes eu caminho pelo espaço que me é dado, você ainda me machuca por não aparecer, mas estou em pé. Uma posição confortável é aquela que adormece. De início, dói, mas depois, se esquece. Eu ainda te espero, como sou burro, como você é burra, por que é que não abre a boca, eu não te mandei calar, os cachorros latem agora, isso me incomoda - você deve estar chorando em algum canto da cidade e eu estou muito ocupado à sua espera (somos todos idiotas num mundo de esperas).
Estou entre um dia e outro, perto do fim, à esquerda do quase e à direita do não, pode chamar esse lugar de esperança tola, então, é aqui que te espero, me acorde quando chegar.
Explique-se
De uma vez por todas:

Onde dói?
Que beijo
Onde prende?
Que solto
Onde fecha?
Que abro
As janelas
Todas as portas
E o que mais quiser

Dois-um, dois-um,
Vamos começando as explicações
Cartas na mesa
Branco no preto
E um vinho tinto

Faz assim:
Suas reclamações você joga fora
Sua boca você põe na minha
Você:
Se põe em mim
(Cada coisa em seu lugar!)

Explique-se,
Eu ainda estou esperando
Comece pelo sim
Vá admitindo os medos
Os amores
Os propósitos
Vá tirando a roupa
Do fingimento
Que
Entre
Nossas
Linhas
Rasteja
Feito
Réptil

Vá abrindo a boca
Vá tirando a língua da boca
Comece a falar

Vá ficando nu
Vá ficando cru

Vá se explicando enquanto
Sua
(Enquanto sou sua)
Quero ouvir o que na sua voz
Soa
Feliz
(O som da felicidade vezes falha, vezes sussurra)

Estou me despindo
Também
E vou te olhar sem dissimular
Estou entregando as armas
Sem hesitar

Baby,
Não me leve a mal
Por querer tanta explicação
Tanto coração
Tanta cor
Tanta ação
Eu só quero mesmo mergulhar
Nesse tão profundo e misterioso
A
Mar.

Nota de uma manhã no hospital

Tinha mania de tentar adivinhar os rostos jovens que os velhos escondem. Tem gente que parece que nunca foi jovem, pensava, e criava histórias para os velhos da fila do hospital.
O senhor do boné era um garoto livre, esperto, morador do Rio de Janeiro. Era amante fiel de muitas e se apaixonou por uma delas, a mãe da moça que está sentada ao lado dele.

A senhora de 84 anos está ao lado da filha, as duas são grisalhas e se olham - a que cuida já foi cuidada, certamente já teve medo dos olhos que agora acaricia. Ninguém vive esperando que esse momento um dia exista - você vai crescendo, suas costas doem um pouco, mas sua mãe vai se doendo de tudo. Você acompanha ela até o médico, primeiramente, por causa de uma dorzinha no estômago, depois se vê dando o braço pra que ela não se desequilibre e num jantar de família te mostram uma foto que revela: os anos se passaram, foram levando a vida, os cabelos dela clarearam, sua filha a chama de vovó.
Envelhecer é morrer mais rápido a cada dia, há que se ter paciência com as perdas. Perde-se tudo, ou quase tudo, talvez fique só uma luzinha acesa ali no fundo, mas há que se saber lidar bem com perdas.
Tornar-se velho: entrar em uma estrada mais estreita e mais perigosa. Alguns ficaram no meio do caminho, há cansaço, não há negociação com o tempo, os argumentos são fracos, a rugas nos invadem.
Eu morro de medo de envelhecer, pensou. Lembrou-se de sua primeira estria, o quanto tinha chorado. Não vai suportar a incontinência, a dependência, a feiura das feridas feitas na pele sensível. Não poder sentar-se sozinho, ir ao banco pagar uma conta. Envelhecer é regredir aos poucos, voltar a terra c o n s c i e n t e m e n t e - o que dói. Talvez eu perca a cabeça um dia. Tem gente que esquece das coisas com o passar dos tempos. Talvez sofram menos esses, afinal esquecem que esquecem. Esquecem do que foi, do que será.
A mãe e a filha foram embora de mãos dadas. Vão tomar café em um supermercado. Se uniram, e eu penso que sempre se amaram, mas há algo que une na doença.
O velho do boné colocou óculos escuros e cruzou os braços. Deve estar tratando a vista, e o que é que isso importa. Já não há mais paciência pra se lutar contra a cegueira cinza da velhice.
O mundo vai desaparecendo bem na frente dos nossos olhos - vai se dissolvendo em grãos, virando areia, e os grãos vão entrando nos nossos olhos, e às vezes se cai por não conseguir mais olhar.
A poesia vivia
Querendo fugir

A menina morria
De tanto chorar

Era só agonia
Tentar encontrar
Os versos
Que pudessem
Falar

A poesia
Menina
Querendo surgir
Fez no peito
Da Flor
Um mar
Desabrochar

A poesia
Menina
Foi brotando
Feito flor
No mar
De rimar
Re amar
E
Voar
(De tanto amar)
A água uma hora evapora, e o amor são folhas secas.
São flores
Mortas
O amor só
Secura
Num copo de aguardente

Ele pôs os amores num vaso de porcelana
E fechou a porta.

- sempre se esquece algumas janelas abertas.

A quatro mãos (1)

Céu e seu -
indefinido
infinito
de ser
e sermos

dois

céu é o infinito
entre o seu
e o meu corpo
quando lado
a lado

quando alado -
"seu" é meu
infinito
quando
por sua boca
chamado

 
O amor
Que era todo céu
Continua sendo seu
Meu
Céu
É
Ser
Eu
Em
Você

 Com Julianna Motter
www.comascartasnamesa.blogspot.com

Resposta ao sonho teu

[Dessa vez quem sonhou fui eu
E não estávamos num beco
Estávamos num beijo
Num beijo sem saída]

Transbordo

Além da borda
Me situo
À deriva
Me encontro

Minhas águas minam
E escorrem
Pelos quatro cantos
Não há orla
Nem limite
Há situação:
Ando sendo transbordo de mim
Mesma
E ainda assim não sou rio
Nem mar

Sou ar

Deságuo entre seus
Quadris
As esperas
As crianças
As andanças
(As esperanças)
E às vezes você cansa
De me ouvir

Mas sou sem beira
Me situo num sem centro
De mim
Me situo na beira
Do que não tem fim

E em seus sins,
Meu transbordo vai além
Do que já é além
Transborda
Transforma
Transpõe
Transtorna

Você é meu transtexto
Você contorna
O que não tem periferia:
Meu corpo
Que anda
Desaguando
Pelo mundo

(O mundo às vezes parece que deságua em mim)

Além da borda
Me situo
À deriva
Me encontro

Transbordo
Enfim.

29 de agosto de 2013

visse e versa

menino,
vá pegar água
na nascente

não seja crente
que vai saber
me enganar

não vá fugir
não vá se arriscar

conheço essas águas
conheço cada verso
desse livro
chamado
amar

visse?

e versa:

o amar
conhece cada verso
desse livro
chamado
mulher
mãe
que luta

que labuta

tudo
por um filho
pra que ele possa
caminhar

não me venha crente
que não darei por sua falta
volte pra mim
com a água
e continue nascente
no nosso acordar

- mãe que perde filho

é pior que o silêncio dos gritos

é pior que faca no peito

é coisa maior

que o gigante do medo

é coisa que não se pode
mensurar

mãe que perde filho

é nada no meio do nada

é buraco

no meio do negro

é sem fundo
bem no fundo

é aquilo
que não tem jeito

é aquilo
que não se pode
aceitar



 



Encerra seu caminho no meu
Seu corpo no meu
Encerra o que eu
não consigo encerrar
(não vou falar sobre dor)

O dilema
a questão
o poema

É isso:
encerre este poema.

Termine os versos
E deixe que os versos
Possam
Nos terminar.













A despedida
Só tem uma face:

pra quem fica, a despedida são cabelos jogados
pra quem vai, horizonte infinito

A despedida tem sua face
Amarelada
Rosada
Enfim
Avermelhada

A despedida
É como um dia que vai
E que vê
A cidade buzinar

Para o céu,
A despedida do dia são carros enfileirados
Para o ser,
A despedida é um céu
Amarelo

O devaneio
Sobre a despedida
É uma despedida de algo
Que ainda não foi

Mas quase

As coisas que
Quase
Se foram
São multicoloridas
Pinceladas
De delicadeza
Resignação

E

Brisa



No dia em que te esqueci

Você saiu à francesa,
Na ponta dos pés
Não diferente de como chegou
(O perigo anda na ponta
Dos pés)

Eu perdi a hora
E percebi o perigo de te esquecer
Na hora mesma em que te esqueci:
O despertador tocou
Levantei
Me espreguicei
Tomei o meu café
Abasteci o carro e
Você

Tinha
Me
E
s
c
o
r
r
i
d
o
Pelos dias

O seu
Esquecimento
Tem o sabor
Dos
Tédios
Crocantes
Das horas
Que te esperei

O esquecimento
Se parece com as folhas
secas
Que pisei
Nesta manhã:

Já foram úmidas
E coloridas
Vivas
E ativas

Hoje são
Somente
A sensação
Crocante
Do que já
Foi.

15 de agosto de 2013

O silêncio é a palavra do vento


Os nossos silêncios se encaram,
Baby,
Os nossos silêncios se respiram

Ouve, ao pé do ouvido
O suspiro dos nossos ares
Que se prendem


E se libertam


Ouve a
cadência
Precisa
Do que
não
diz

Seu silêncio
Me fuma
Os ares
E me expira
As palavras

Nossos silêncios
Se amam
E se olham
Se entendem e se conformam
Nossos silêncios
Acompanhados
São folhas
Que o vento
Escolhe
Como trazer

São livros guardados,
Papéis dobrados
Que um dia vão dizer

Mas nossos silêncios
Se tocam
Baby
Se tocam e
Se cantam

Em dó

E se.

14 de agosto de 2013


Ela amou
Como se não houvesse choro
Como se não houvesse se

Ela se permitiu
Como se não houvesse chão
Como se não precisasse fugir

Ela acreditou
Como se fosse,
Voltou

Olhou
E como se fosse luz
Clareou
Como se fosse escuridão
Descobriu

Se fosse como se,
Se como fosse,
Fosse,
Ela ainda assim amaria

Aquela foice
Que foi
Aquela maluquice
Estripulia
Chamada amor

8 de agosto de 2013

Trata-se de um eterno aprendizado sobre equilíbrio.

Vida: aprende-se.
Apreende-se.
Um constante avante
Diante do objetivo distante
Vida: avante!
Avançe,
que se abre,
que se explora.

A vida laceia
Com as dores
Vai laceando
Com os laços
E os amores

Vida: todas as contradições
em meio ao óbvio.

Sabe do nada
e do tudo.

Não saber de nada é,
quase sempre,
saber de tudo.

Tudo é nada.
Nada é tudo.
(NADA é tudo!)

Vida:
Eu
vi a
ida,
sem recaída,
exigir de mim
ela dizia
"avante, levante!"

E, sem outra saída,
Eu levantei
Sem escolha,
Eu sorri
Os joelhos
Ralados


Trata-se de um
eterno aprendizado
sobre o equilíbrio
a que podemos chamar:

corda bamba.


27 de julho de 2013

Diz-se das coisas belas por aí
Das coisas que passam e ficam,
De alguma maneira.

Diz-se do gosto do café,
Do olhar que mareja,
Da mão que esquenta.

Diz-se, por aí, das coisas
Aparentemente frágeis
Das coisas simples
Da flor e do vento
Da leveza de dentro.

Eu estou procurando
No que se diz
- e entre as minhas linhas -
Algo que sustente
Algo que supere
O que vivemos.

Acho que procuro,
Em alguns momentos,
Algo que alimente
O que
Verdadeiramente
Acho que sou.

Eu estou tentando
Esquecer a ideia
De que preciso de você
Para sorrir sincero.

Ontem eu tentei
E beijei algumas bocas
E sorri para alguma
Coisa
Que não sei o que.

Foram só bocas
Que eu beijei
E, na hora,
Eu pensei
O que faço eu tentando
Me convencer
Que não devo
Cortejar a vida
Para beijar o mundo
(A vida é o beijo do mundo!).

E você me beija profundo
Sem saber
Você me beija o mundo.

Quer saber:
Talvez seja disso
Que se diz
Por aí.
Vou começar a te dizer mais uma vez. Que é isso que sei fazer. Vou me colocar em palavras dessas que sempre uso, te enfiar em algumas linhas, já que não posso te beijar de palavras as linhas do corpo. Eu queria saber porque é que insisto - em te querer e em te esquecer. É isso, insisto em ideias contrárias e acabo por não entender mais nada. E a saudade é isso mesmo - um não saber se o que se foi volta, ou pode-se chamar de esperança tola o que sinto quando espero um sinal seu. Preciso saber, de uma vez por todas, com qual insistência fico. E estou colocando a decisão nas tuas mãos, burro que sou. Você é o silêncio das minhas horas e só. Resolveu se calar e deve ser porque me viu te olhar muito fundo. Não consigo te olhar raso. Ontem, enquanto eu beijava não sei quem, pensei em você, lá no fundo. Também te penso fundo, e bem firme, nem sei se você sente. Isso me atormenta - não saber nada. O nada sabe mais sobre mim do que eu mesmo. É por isso que te escrevo sem parar, pra ver se entendo um pouco do que nunca vai se explicar. Eu te agradeceria, se pudesse, gosto do que suas palavras escrevem, é até bonito o que resulta dessa loucura toda. Mas ficaria meio piegas eu te falar de inspiração enquanto você nem consegue me olhar. Será que eu estou ficando louco ou aquele dia você me olhou diferente depois de me abraçar? Um dia eu te disse que você me sonha dentro e você riu, disse que tinha sonhado comigo, mas não lembrava o que. Você me sonha dentro o que for, simplesmente me sonha. O meu fraco é gostar de sonhar. É gostar de te amar, mesmo sem poder falar. Eu gostaria ainda mais se te pudesse viver um pouco. Se te pudesse acompanhar as horas, ver o tempo desfilar. Sabe, nessa vontade de te beijar eu descobri que a vida é o beijo do mundo, e que maluquice, o que eu faço tentando me convencer que não devo cortejar a vida pra beijar o mundo, o que faço eu tentando te esquecer, que insistência tola essa de te querer.

16 de julho de 2013

um beijo, não me liga por enquanto, tchau

eu fico falando falando falando. me expondo, preenchendo. eu nem sempre fui assim, se interessa saber. talvez eu esteja querendo chamar atenção, mas acho muito provável que eu esteja tentando me entender de um jeito obsessivo. como se diz mesmo eu te amo? como é que eu faço pra que a delicadeza não desapareça, como a gente faz para que a existência seja quase uma surpresa? eu estou ficando com medo de virar um autômato, estou com medo de ser mera reprodutora, estou com medo de parecer mecânica, e ser títere. aí eu expresso expresso expresso e que medo de virar uma máquina que expressa sem parar nem diferenciar nada. ai, amor, eu já nem sei mais do que falo. talvez eu precise de um tempo comigo, e que nem as palavras venham me visitar. tenho esquecido do silêncio, não descansado as mãos. tenho me cansado enquanto durmo, acordado com dor. fico pensando pensando pensando e o pensamento não pode ser uma produção em série, pelo amor de Deus. sabe o que eu acho, amor? que eu preciso esquecer um pouco dos seus olhos. ficar comigo pra esquecer de mim. olhar pros olhos do mundo, assim, face a face. depois, eu preciso dar umas voltas pelas esquinas da minha vida. preciso desfocar pra depois focar melhor.
eu já volto, amor, eu já volto.
mas agora vou viajar aqui pra dentro...
vou dar uma volta ali fora.

- só te peço que não vá embora
me espera um pouquinho
que chego pronta pra te amar -

alegria quando vira euforia pede pausa

o que seria, então,
a tristeza
se não
um pedido
o que seria então a tristeza
se não um
espaço
entre o início e o fim
o que seria a tristeza
se não um descanso
entre uma alegria
e outra
o que seria da alegria
se não houvesse tristeza?



eu só queria um instantinho de paz
um pouco de silêncio aqui dentro
um pouco mais de amor ali fora

sei lá,
eu só queria estar só
e esquecer pó
do que já foi

eu só queria
um
pouco
de paz
aqui dentro do meu coração.

uma pausa:
é isso.

eu só queria uma pausa
pro meu coração.

eu tinha que estar fazendo prova

[ando
escrevendo
entre ais
por clamar:
que eu atraque
no seu cais]

[ando esperando 
o tempo
em que
vivendo
estarei sendo
somente
eu
e nada mais]

pronto



a dor da manhã nasce antes de acordar

tomei aquela cerveja ontem. aquela que te disse. e daí, acordei com saudade e meu peito doeu. acordei com uma saudade de algo que não foi, e todo esse blablabla. acordei com a saudade da semana que vem, porque te vi ontem, mas não amanhã não vou te ver hoje, e o tempo já me confunde as memórias, e, cacete, você já é uma memória e eu nem vi o tempo passar. o passado é mesmo esse saco fundo e breu que ninguém consegue conter - ele vai sugando as coisas de segundo em segundo, e você já tá lá. tudo vai para o breu do saco do passado. mas tem coisa que se multiplica, vai pro saco e se renova, e existe outra vez, e vai, e aparece, e vai pro saco, e surpreende, e vive de novo, e continua a inflar, a desabrochar, a acordar, e eu queria acordar olhando pro seu rosto. eu adoro a cara de sono, a cara limpa da vida. mas hoje eu acordei com dor no peito, porque te vi passar no meu sonho e já eram oito e meia quando olhei pro relógio.

11 de julho de 2013

Que eu sempre me perca em tamanha sede

"Toda mulher é um abismo de prazeres que rolamos sem tocarmos o fundo"
Balzac

E você sabe muito bem que no seu abismo eu me deixei despencar, e me perdi entre as montanhas e noites do seu corpo. O teu fundo eu desconheço, e é o desconhecido que me faz tanto te percorrer, e tanto te querer, e tanto me perder, me perder... A poesia não sai da minha boca, ela só fica falando que te quer beijar, que te quer encontrar - pra enfim te poder falar. A minha boca não quer só te falar, ela até cansou disso, ela quer te beijar, e os teus beijos deveriam aqui estar, a me encostar a barba, a me fazer arrepiar.
A taça está aqui, envolvendo o vinho encorpado que você tanto gosta. O vinho encorpado que eu tanto gosto. O tinto vinho que no seu corpo eu tanto gosto. 
Enfim, quero percorrer suas linhas como quem anda sedento pelo deserto - que nunca me faltem os seus sais, e que nunca me acabe a sede das tuas águas.

Somos estanques

O mundo é sempre estanque. O amor e a felicidade são invenções do mundo moderno - são realidades inventadas. Mas também inventamos de estancar. É quase como uma necessidade. Negamos bombons, negamos fraquezas, puxamos de cá, ajeitamos de lá. Medimos palavras, controlamos risadas, colocamos a mão no bolso e, quando tudo isso nos cansa, choramos à noite. Mas choramos baixinho, abafamos - o que não se abafa - no travesseiro. Estancamos até a intuição - que nos diz que nenhum sentimento estancado para de sangrar - e insistimos em acreditar que tudo passa, que o mundo vai bem e que as coisas realmente funcionam.
O mundo nos estanca, o mundo não vai bem. E ainda assim precisamos nos fazer menos cegos, mandar fabricar novas lentes, aceitar a miopia e conviver com o daltonismo. Precisamos saber das palavras, entender as opiniões, e eu tenho vontade de te amar no meio disso tudo. Não quero só te abrir a camisa, quero te abrir os olhos e quero que você me faça sentir mais. Às vezes pode acontecer de eu querer me esconder debaixo dessa sua saia, ou dos caracóis dos seus cabelos, mas prometo não ter pressa nem medo no movimento preciso que abre nossas asas.
Me dá a mão, e tentemos não nos estancar, tentemos deixar que os nossos rios corram, deixemos que eles se encontrem. O amor é tudo aquilo que liberta, o amor é tudo aquilo que justifica. E no meio do caos a gente encontra uma corda, e a gente não se pendura, a gente sobe, sobe, sobe, e sai do fim do poço - o amor é tudo o que eleva, tirei a sua roupa, vamos deixar jorrar, o amor é tudo aquilo que liberta, tirei minha atadura, já deixei você entrar.


9 de julho de 2013

Amo livrarias

E hoje o vendedor da loja, ao me entregar o Balzac na sacola, me disse "bom apetite".

8 de julho de 2013

É tudo verdade,

Eu também nunca quis que ela fosse um títere meu. Mas quanto mais ela se entristecia, quanto mais ela reclamava, mais eu me sentia culpado. Nós não pedíamos atitude alguma um para o outro - pelo menos não diretamente -, mas as nossas atitudes, por si só, me subjugaram. Eu fui títere do nosso semblante fechado, eu fui títere do nosso silêncio.
Acontece que eu fui me deixando ir - e é quase certo que aí eu tenha começado a ser fantoche -, desde o início eu nem mesmo sabia o que estava começando. Eu ia ao seu encontro como quem simplesmente segue o rumo da correnteza. Não havia esforço nem vontade, simplesmente havia. E eu achei que sempre seria assim, bobo eu, que dali a dias estava já roendo as unhas até o celular tocar. Antes era eu quem adiava, fazia ela esperar um pouco, e só depois me deixava ser amado. Mas depois, ser amado não era só algo para se deixar, era algo pra se depender - e eu já achava que isso poderia ser amor, e eu já achava que isso era também amar.
"Baby", eu dizia, "eu só sei te amar pulsando. Ainda assim você vai ficar?". E passei a depender dela para acreditar que eu realmente existia, para acreditar que alguém se importava comigo. Eu precisava dela pra esquecer um pouco do mundo. Nossas válvulas aproveitavam para serem abertas enquanto estávamos juntos - o peso do mundo era todo descarregado já na porta de casa. Descarregávamos todo tipo de peso - desaforos que estavam no bolso, nós cegos da garganta, nervos, baixas autoestimas, confusões mentais e tensões cotidianas. E disso fomos dependentes.
Mas não cobrávamos nada um do outro - e isto era não só uma condição, mas um acordo.
Até que o acordo não fazia mais sentido. Eu não sabia como tinha ido parar ali e já não aguentava mais ignorar verdades e criar mentiras. Eu já não sabia se o amor era um conhecido meu. Não lembrava de ter me apaixonado.
A verdade é que eu deixei que a vida fosse tecendo o meu caminhar. E as coisas nunca acontecem apenas em um plano. A vida foi tecendo o meu caminhar, e eu fui deixando, e nós acabamos por nos meter a tecer o caminhar um do outro. Fomos todos títeres.
É muito difícil não se deixar levar no mundo em que vivo.
Fala-se muito de intensidade, felicidade, expressão e amor - mas ninguém sabe exatamente o que fazer com tudo isso. Ninguém sabe por as coisas do coração no coração, as coisas vão se confundindo, se esvaindo, e ninguém sabe mais, ao certo, medir a expressão.
Mesmo sem saber, eu falei que não dava mais, dei um beijo em sua testa e saí pela porta da cozinha. Fugir das contradições da vida foi a minha maior covardia, e disso eu sei.
Nada é verdade-ponto.
Tudo é verdade-vírgula.

7 de julho de 2013

Brasília, Rio, Brasília, Rio, Brasília, Rio

Se Brasília fosse uma mulher, ela seria virginiana - planejada, meticulosa, calculada. Para percorrer a trajetória do seu corpo, basta entender a sua matemática. Brasília é coisa única. Brasília é quebra, é coisa nova, pra frente, é, até mesmo, de vanguarda. Acho que Brasília tem ascendente em aquário. Ah, e não se esqueça: para apreciá-la, deve-se aceitar, de uma vez por todas, suas singulares condições e particularidades.
O Rio, o Rio poderia ser um escorpiano com ascendente em leão. Chinelo nos pés e dragão tatuado no braço. Curvas irresistíveis, energia envolvente, charme certeiro.
Se quer calmaria, venha para Brasília. Leia um livro nas entrequadras - aproveite o cenário bucólico para se sentir em paz. Algumas cigarras podem aparecer e te incomodar, mas a mim agradam. Eu gosto principalmente de sentir o cheiro de terra molhada ao som das cigarras. Vai entender. Se quer gente diferente de tudo o que viu, se quer rock e arte da boa, venha para Brasília. Aqui costumam dizer que a arte não vinga, mas para mim o contrário acontece. Entre a arte do Rio e a arte de Brasília, fico com a de Brasília. Aqui as coisas vingam sim, elas são ainda mais fortes por ter de sobreviver num solo tão seco - mas ainda assim fértil.

O Rio é a cidade dos meus sonhos. Quando estou lá, sinto que estou num universo aqui de dentro. Eu entro no avião, fecho os olhos, abro, e estou  no mundo que sempre sonhei - e, como é normal dos sonhos, antes mesmo de conhecer.
O Rio me liberta. O Rio é livre. E o Rio faz com que eu me olhe. No Rio eu me encontro, e parece sempre que não me via há décadas, e parece sempre que nunca mais vou deixar de me ver.
Mas aí eu volto.
E eu me esqueço um pouco - acho até que pode ser saudável.
Aí tenho saudade dos meus sonhos, tenho saudade de mim mesma, e quero voltar pro Rio, e adio as passagens, e faço meus trabalhos, e vou às festas no Museu.
Eu acho que estou onde deveria estar. Inclusive quando estou lá - sempre que estou lá, tenho a certeza de existir, a certeza mais profunda de respirar, e a certeza de que vou voltar.
E acho também que não tenho escolha, meu fado vai ser sempre amar esses dois.
Uma mãe, que me acolhe, me firma os pés, e um pai, que me leva pra passear, pra ver o mundo e pra me encontrar comigo mesma.
Brasília e Rio de Janeiro sempre foram muito próximos aqui dentro.

Eu sinto saudades, Rio.

Eu te amo, Brasília.

3 de julho de 2013

Te quero
Porque me quero
Conhecer
E
Não vejo saída
Mais doída
Do que não me deixar
Amar

O que é que guardo nos olhos para te olhar? O que é que guardamos para as horas de amar?
Perguntas sem resposta.
- A mesa está posta.
E eu continuo a caminhar.
O que é que nos une, o que será que me dá, o que é que desabrocha sem eu mesma plantar?
Por que é que te quero, se nem mesmo te amo, e só te quero amar?
Por que é que espero, se nem sei de que esmero estou me metendo a falar?
Não sei dos porquês.
Eles não sabem de mim - não nasci entre um por e entre um que - só de você.
Por você que os porquês continuam a perturbar minha mente.
É a sua incerteza que me insiste a espera.
Sua entrada e saída. Esse mete-não-mete do seu amor em mim.
É certo que você nem mesmo sabe que em mim já adentrou;
Será que eu também não sei que dentro de você estou?
Onde é que você anda enquanto percorre meus pensamentos?
Onde será que eu ando enquanto te escrevo todos esses sentimentos?
- A mesa está posta.
E eu continuo a pensar.

Eu não te amo - só por hoje. Não te amo como quem tenta esquecer uma perda. Como quem tenta parar de fumar. Não te amo como quem espera deixar de amar - e como quem espera o amor entrar. Eu espero um certo desabrochar - e você finge que não há o que esperar.

Ando entre as aspas

agora dei pra citar
nem tenho tentado falar
tanto assim
ou tenho?

agora eu dei pra dizer
o que os outros me dizem
dei pra querer
que o Chico
me diga dos astros
dos signos
do que consta e do que não consta

dei pra ler
como quem pede
que a Clarice explique
o inconstante

dei pra achar
que todos eles
sempre amaram
e dei pra querer
que eles falem
o que é que acharam
dessa imensa

escuridão.

25 de junho de 2013

O que já vai tarde

Por que diabos amor e flor
Tinham que rimar com dor?

Por que diabos
Eu tenho que vestir
O meu amor
De pudor?

Quando te finjo um desamor
Meu rubor não é febre feliz
De quem pertence a quem quis
É só a minha vontade
Que ama
Feito quem clama
Feito quem ama
Um amor gris

Quanto te finjo um não amor
O tambor do meu peito
Não deixa de gritar
E, quieto, espreito
Olhando o seu jeito
Te vendo passar

Quando eu me calo
Quando não te falo
Lamento que não sejam teus beijos a me calar a boca
Lamento o  medo
Que me invade
A euforia
E sem rodeios
Manda ir embora
Tudo aquilo que me arde



Carta para o mundo


Não sei como se começa uma carta. Esqueci também como se usa o tom prosaico. Me tornei moderno demais e não consigo mais dissertar sobre minhas ideias. Faço grande força para que o ímpeto não me tome a mão, caso contrário a poesia me toma a mente e os versos jorram sem parar. E, você deve bem saber, a minha poesia não é também muito articulada - não aproveita as suas totais possibilidades - e só fala de mim, de mim, de ti.
Sempre que o parágrafo puxa meu lápis, tendo a me vestir de outro. Às vezes acho que pouco crio, mas muito creio. Finjo muito que não te amo, e escrevo muito sobre amores que não vivi, porém eu apenas finjo o que vejo, e não sou poeta, meu amor. Sou de todo ingênuo. De todo bobo.
Do que quero falar - eu também não sei. Às vezes parece que me lembro que as palavras podem refletir o mundo. Os fatos não falam por si, e disso eu já sei, pois então como vou te contar o que vivo sem reduzi-los à descrição? Palavras. Lavras. Lavra. Semeio aqui uma semente que, sinceramente, não conheço - eu sinto, mas não entendo. Eu finjo, só que não entendo. Por isso, às vezes empaco. E te empaco não só a leitura, mas também a vida, eu sei.
Você faz o mesmo, e conosco também fazem parecido - foi pena não te ver bradar frente ao Congresso aquele dia. Evitarei este assunto - e já me desculpo - porque posso me empacar no discurso e já acho que tropecei ao falar de viver.
Ora pois, é sempre tropeço se meter a falar. Mas calar também não seria parar e o tempo já não dá tréguas?
Ora pois, é sempre tropeço viver -e isso ninguém discute-, que a vida existe não há contradição, então não falemos do que não tem discussão.

E se humana ela é; o que dizer de tantos 'nãos'? Humanos somos esses que hostilizam o ser humano. Humanos somos nós que preferimos ser apenas vivos (e nada mais). Estamos vivos num tropeço, mas é só. Que a vida seja humana: não digo que sim nem que não.
Sabe que me meti a me calar quando mudei de assunto, e o tropeço na verdade acontece quando falo de amor. Esqueço das dores alheias, e sou eu todo ingênuo, que te disse, e se me meto a falar, fragmento as imagens para falar somente dos seus olhos.
Sei que você há de me perdoar, mas insisto em tentar me convencer de que há mais importância no mundo que não os seus olhos. Contudo a vida me parece tão profunda como eles. E  já não sei se tem mais ou menos mistério.
O mundo é tão grande e obscuro quanto teus olhos castanhos, meu amor. E tuas curvas se assemelham com o tempo, que me come, me come a vida e me dificulta a visão.

Os tempos são difíceis.

Por último, vou te descrever alguns fatos. Não será mera descrição, porque acredito que eles sejam a essência do que o mundo tem sentido junto a mim.

Hoje, na biblioteca, enquanto escrevia no meu caderno de morfologia a palavra 'indiferente', um moço
jogou um papel amarelo na minha mesa. Nele estava escrito: 'sou surdo' e outras dessas palavras que pedem atenção. Senti  vergonha de viver - desejo de viver sem me notar, como diria Chico -, e dei um sorriso sem graça quando ele voltou para pegar o papel de volta. Eu não tinha nem dez centavos.
Depois eu fui ao banco. Coloquei o meu carro em uma vaga onde estava um vigia de carros.
Ele me disse:
- A dona viu que desaforado o moço que estava no carro atrás do da senhora?
E eu, muito esnobe e com o pensamento nos meus grandes e complexos problemas, respondi:
- Não ouvi. Estava com o som do carro alto para isto mesmo, pra não ouvir desaforos gratuitos.
Ele me disse:
- Que isso dona, escute o mundo. Escute o mundo.


Os tempos são difíceis.


P.s: não me lembro onde devo datar a carta,
mas trata-se de um tempo sem relógio, enfim
entenda como
e quando quiser



E antes que eu me esqueça (de ti):
Me esqueça a memória
Me compareça na história
Mude a minha trajetória
Pinte um novo porvir

Digo:
Saia da minha cabeça
E, se quiser,
Entre de vez na minha vida,
Saia dos meus lados
E invada
Meus braços

Descubra, em meu seio,
Meus meios de te fazer sorrir

Faz uma coisa:

Apaga a luz
Esquece tudo o que nos reduz
E ache algum meio
De me fazer feliz