17 de junho de 2010

Além-palco

Já tensos, os pés pisam o chão enquanto o corpo, igualmente tenso e ansioso, se espreguiça.
A garganta, tentando se preparar vibra na intenção de ser aquecida.

Os pensamentos voam longe. A tão ensaiada peça já não causa entusiasmo. Os problemas são maiores.
O vento frio que bate no rosto deixa a garganta ainda mais irritada e ela, furiosa, insiste no aquecimento. Procura abrigo e se movimenta.
As mãos procuram o roteiro.

Agora os pensamentos mudaram de rumo. O teatro é a artéria. É o sangue. É mais: é o coração que bombeia a vida.

O dia segue.
A maquiagem começa. O falatório também.
Uma concentração descontraída, e a voz às vezes faltando com o compromisso.

O figurino molda o corpo, que agora é ainda mais visitado pelo personagem.

Os mesmos pés tensos e ansiosos pisam, enfim, o palco.
As mãos suam frias.
A música toca. O pensamento se contraria e se arrepende. Não sabe nem ao menos o que está fazendo ali, repetindo frases feitas periodicamente.
A hora chega. O holofote acende. Os pés e as mãos ficam quentes. O coração bate forte. (O coração que bombeia o corpo e o coração que bombeia a vida.).
A garganta solta a sua voz, e ela ecoa. O piloto automático é ligado.
O teatro está lotado. O prazer é anestesiante e por vezes duvidoso. A respiração fica profunda e ciclicamente mais curta.
As luzes se apagam.



E agora os pés, a garganta, o rosto, o sangue e as mãos finalmente relaxam.
O mesmo figurino é abandonado pelo personagem, mas continua ali, secando todo o suor que ele provocou na atriz.
Seu coração é o único que continua batendo forte. Dessa vez de satisfação.
O cérebro trabalha mais lentamente e a endorfina rola solta.
Tudo ferve quando ele provoca. Tudo ferve depois que ele nos deixa ser. Tem gosto molhado, salgado. Tem gosto úmido o pós-cena.

Tem magia o pós-teatro. Esse que nos faz bobas hipnóticas. Verdadeiras Bacantes sem estarmos necessariamente na tragédia de Eurípedes.
Dionísio criou meu coração. E ainda que o corpo relaxe de satisfação, forte ele sempre baterá.

Foi bom pra mim. Como sempre.

2 comentários:

  1. me fez sentir saudades dos meus tempos de palco

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  2. é assim...
    e quando antes de entrar nessa roda-viva eu esqueçia meu proprio nome?
    é como tomar sal de fruta com coca cola!

    Beijo e beijos

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