20 de janeiro de 2011

Olhos fundos de um mundo que se encolheu por ser inexistente.

Eis aqui o homem que tu fizeste. Eis aqui, de braços largos, barba mal feita, olhos fundos e cheios de um mundo que não vi.
Esses que sempre procuraram a vida feita de aquarela, sem sujeira nem maldade... Sonhos tão fundos que assim meus olhos são. A procura então. Se me olhares fundo, agora, enquanto pego sua mão, verás as pessoas que inventei, os lugares por onde andei aqui dentro de mim.
Mais fundo ainda, podes ver, se quiseres, o rio que corre para esse mar que agora traz ondas ao meu rosto...
Ondas que tentam pegar os teus olhos e trazer aqui pra dentro. Para que viva esses personagens que criei... Pretensioso que sou, te fiz a mulher do sorriso largo e branco do vestido florido...
Onda por onda implorando tuas pernas para de trazer para o fundo desse mar... Onde objetos e lembranças vivem. Objetos nunca feitos nem usados e lembranças de coisas que não aconteceram.


Eis aqui o homem apaixonado que tu fizeste. Acostumado a me apaixonar por tu em outras mulheres. Todas elas te lembravam. Tudo o que é feminino foi semelhante a tua silhueta, toda cidade alegre me fez charme. A Lua de todos os dias, no país que for, era seu olhar.
Eis aqui o homem das artes que tu fizeste. Eu, que não entendia nada de expressão, passei a querer me expressar demais, amando demais, admirando demais. Para enfim chegar ao hoje, o resultado de me decepcionar demais e apenas colocar para dentro dos meus olhos o mundo que projetei e que não existe.
Um mundo que não vi, mas sonhei sem sabê-lo sonho... Era apenas vontade... O desconhecido que em breve seria íntimo... E que nunca existiu.
Dei a volta ao mundo. Procurei em todas as esquinas uma prova de que a Lua era sim também o teu olhar, que sim, as outras mulheres tinham a voz parecida com a tua... Mas não... Nada era igual ti, mulher. Nada me fazia chegar ao ápice da minha paixão como fez chegar o seu corpo em baixo do meu. A sua mão na minha mão. A sua presença em minha ausência.

Eu amei cada pedaço do mundo por um dia ter te amado. Tu batestes a porta naquela segunda-feira amarga, o café era de safra ruim, o vinho era maldito, não queria mais nenhum deles... O meu maior vício foi o teu, e indo-te embora, levou contigo quase todos os outros.
Mas ainda restava o maior e o mais perigoso: o de apaixonar-se. Saí da minha vida. Como se tivesse ido junto de ti. Vivi de paixões dias e dias, e nenhuma delas me levou ao teu amor. Ao colo quente e quase materno que tu me davas depois de um dia pesado de trabalho. Ou quando sentia saudades do meu pai que sequer olha na minha cara.

Depois de ter dentro de mim gotas de tua essência, eu pensei que até sair da minha vida tu podias... Achei que depois de ter você dentro de mim, eu me bastava. Porque não era só um, eram dois.

Eu achava que era.
Enquanto na verdade a minha alma guardava reflexos. Reflexos do teu amor em mim me fizeram imaginar um mundo lindo. Dentro de mim era tudo lindo. Tu me floriu por dentro e eu achei que isso vinha do mundo. Reflexos teus aqui dentro te idealizaram perfeita, como o que tu me despertavas... E por isso te machuquei. Eu vivi de reflexos...

Eis aqui o seu homem de reflexos.

Eis aqui o homem que perdeu a alma para a tua.
Eis aqui um corpo que te clama para poder continuar a viver.
Não quero mais esse mundo lá de fora. É tudo de mentira, é tudo sujo e falso.
E só tu que eu quero.
Aqui dentro,
do meu olhar,
o mais fundo que for.
Entra aqui que eu fecho os meus olhos.
E a gente vaga sobre a gente.

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