Tinha mania de tentar adivinhar os rostos jovens que os velhos
escondem. Tem gente que parece que nunca foi jovem, pensava, e criava
histórias para os velhos da fila do hospital.
O senhor do boné era
um garoto livre, esperto, morador do Rio de Janeiro. Era amante fiel de
muitas e se apaixonou por uma delas, a mãe da moça que está sentada ao
lado dele.
A senhora de 84
anos está ao lado da filha, as duas são grisalhas e se olham - a que
cuida já foi cuidada, certamente já teve medo dos olhos que agora
acaricia. Ninguém vive esperando que esse momento um dia exista - você
vai crescendo, suas costas doem um pouco, mas sua mãe vai se doendo de
tudo. Você acompanha ela até o médico, primeiramente, por causa de uma
dorzinha no estômago, depois se vê dando o braço pra que ela não se
desequilibre e num jantar de família te mostram uma foto que revela: os
anos se passaram, foram levando a vida, os cabelos dela clarearam, sua
filha a chama de vovó.
Envelhecer é morrer mais rápido a cada dia,
há que se ter paciência com as perdas. Perde-se tudo, ou quase tudo,
talvez fique só uma luzinha acesa ali no fundo, mas há que se saber
lidar bem com perdas.
Tornar-se velho: entrar em uma estrada mais
estreita e mais perigosa. Alguns ficaram no meio do caminho, há cansaço,
não há negociação com o tempo, os argumentos são fracos, a rugas nos
invadem.
Eu morro de medo de envelhecer, pensou. Lembrou-se de sua
primeira estria, o quanto tinha chorado. Não vai suportar a
incontinência, a dependência, a feiura das feridas feitas na pele
sensível. Não poder sentar-se sozinho, ir ao banco pagar uma conta.
Envelhecer é regredir aos poucos, voltar a terra c o n s c i e n t e m e
n t e - o que dói. Talvez eu perca a cabeça um dia. Tem gente que
esquece das coisas com o passar dos tempos. Talvez sofram menos esses,
afinal esquecem que esquecem. Esquecem do que foi, do que será.
A
mãe e a filha foram embora de mãos dadas. Vão tomar café em um
supermercado. Se uniram, e eu penso que sempre se amaram, mas há algo
que une na doença.
O velho do boné colocou óculos escuros e cruzou
os braços. Deve estar tratando a vista, e o que é que isso importa. Já
não há mais paciência pra se lutar contra a cegueira cinza da velhice.
O mundo vai desaparecendo bem na frente dos nossos olhos - vai se
dissolvendo em grãos, virando areia, e os grãos vão entrando nos nossos
olhos, e às vezes se cai por não conseguir mais olhar.
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